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O legado de Umberto Eco para a Comunicação

O mundo ficou mais pobre no dia 19 de fevereiro de 2016, quando o professor italiano Umberto Eco fechou os olhos em definitivo. Tido como um dos maiores estudiosos da sociedade e da cultura contemporânea, ele difundiu a semiótica, provocando incontáveis reflexões que revolucionaram o entendimento do que nos cerca.

Semiótica é um palavrão para muitos estudantes dos diversos cursos ligados à comunicação e ao entendimento das relações humanas. Entretanto, trata-se de uma das mais belas ciências, aquela que se encarrega de estudar o significado dos signos e símbolos de nosso dia a dia. Ela estuda os fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação. Assim, sabemos, por exemplo, que em um determinado contexto, uma palavra será um elogio enquanto para outro grupo ela pode ser uma ofensa grave.

No dia 19 de fevereiro de 2016, o mundo ficou mais pobre, perdendo o professor italiano Umberto Eco. O descrevo como professor, e não como escritor ou filósofo, porque ele dedicou a sua vida a ensinar.

O legado de Umberto Eco é difícil de sintetizar. Diferentemente da maioria dos acadêmicos que escolhe um assunto e dedica a vida a estudá-lo, Umberto Eco se debruçou sobre a teoria da interpretação e a teoria da comunicação, analisando os aspectos mais cognitivos relacionados à atividade semiótica e à atividade da percepção. Eco defendia que era impossível lidar com a interpretação sem analisar a percepção (que era a base de todo o processo), a cultura, a tradução etc.

Em tributo ao autor que revolucionou os estudos sobre a comunicação moderna, a Revista da Reputação procurou seguidores de suas obras no Brasil e conversou com professores da Universidade de Bolonha que trabalharam diretamente com ele.

Gênio, generoso e amante do diálogo

No Brasil, a professora Fabíola Tarapanoff, docente do curso de Jornalismo do FIAM-FAAM Centro Universitário, descreveu Umberto Eco como um gênio, “ele conseguiu tornar mais fácil o entendimento de temas considerados difíceis pela maioria da população, tal como foi com a semiótica. E tornou o processo de pensar e refletir mais divertido.”, diz Fabíola. Da Itália veio um relato mais íntimo e comovente. A professora de Filosofia e Teoria da Linguagem Anna Maria Lorusso disse que não sabia ainda inventariar tudo o que aprendeu com o convívio com Eco, mas que entre as lições que ele deixou para ela, certamente estão a curiosidade, a generosidade em ensinar e o cuidado com os alunos.

Anna Maria contou que Eco sabia, como ninguém, dar e receber estímulos. “Primeiro de tudo, Umberto sabia ensinar a curiosidade. Os diálogos com ele foram passeios reais em vastas áreas do conhecimento. Ele tinha uma extraordinária capacidade de conectar coisas aparentemente distantes, passando de alta cultura (e da especialização mais rigorosa) para a baixa cultura, para a cultura pop, em uma grande lição de abertura e curiosidade sobre o mundo.”, lembrou.

“Em segundo lugar, ele era uma pessoa muito rigorosa. Não era fácil trabalhar com ele. Ele sempre foi muito exigente e exigia uma “cultura geral” e uma crítica complexa de todos ao seu redor. Com ele não era suficiente saber semiótica. Era necessário saber mover-se criticamente em áreas muito maiores.”

“Por fim, gostaria de dizer que ele era de uma generosidade extraordinária. Ele amava ser professor, gostava do diálogo com seus alunos, e não só deu a eles um milhão de estímulos, como sabia receber estímulos das pessoas.”, completou.

Claudio Paolucci, também professor do departamento de Filosofia e Comunicação da Universidade de Bolonha, trabalhou com Eco por cerca de quinze anos e ressaltou a sua dedicação acadêmica. “Creio que a Escola Superior de Estudos Humanistas, que tinha por objetivo construir uma didática de alto nível para estudantes de doutorado, tenha sido a obra que Umberto mais apreciava. Ele gostava de dizer que a semiótica era um campo de estudos e não uma disciplina. Creio que ele tinha razão. A heterogeneidade das coisas que aparecem hoje sob o rótulo de “Semiótica” representa certamente uma riqueza, mas também um limite. Nem sempre os estudiosos que tratam da semiótica compartilham princípios e método.”

“Muitas coisas ainda podem e precisam ser ditas sobre Umberto Eco. Mas somente um estudo aprofundado do seu trabalho e a filtragem do tempo serão capazes de separar o que realmente vai ficar, em um processo semiótico natural”, diz Claudio Paolucci.

A obra comentada por quem trabalhou diretamente com Umberto Eco

Anna Maria Lorusso: “Trattato di semiotica generale” é a minha obra favorita porque é um projeto extremanente ambicioso, que trata TODOS (grifo dela) os problemas semióticos dos nossos tempos, antecipando muitos desmembramentos futuros da semiótica atual, como a atenção á cultura, às práticas de produção de significado, as ideologias etc.

Claudio Paolucci: “Creio que sua obra mais importante seja o ensaio “L’Antiporfirio”, publicado, primeiramente, na antologia “Il pensiero debole” e, depois, em “Sugli specchi e altri saggi”. Não só porque lá estão toda a sua teoria semântica e sua aversão às essências e às verdades, mas também porque é um ensaio que contém algumas reflexões fundamentais sobre a metalinguagem e sobre a relação entre estruturas semióticas e não semióticas, que jogam luz sobre a ideia que Umberto tinha sobre a relação interna de sua própria produção – por exemplo, os seus romances como parte de sua filosofia. Porém, o livro-símbolo, creio que seja Kant e l’ornitorinco, porque no seu amor pelo ornitorrinco está o seu amor para construir passagens entre domínios longínquos, reconhecendo a existência de diversas boas razões, que sempre são consideradas juntas. O ornitorrinco era um tipo estranho de “bricolagem animal” feita de “peças de outros animais” que dão vida a algo absolutamente original.

Umberto Eco através das décadas

Charles Sanders Peirce é considerado o “pai” da semiótica e concebeu a chamada Fenomenologia, que é a descrição e análise das experiências do homem e dos fenômenos percebidos pelos mesmos, sejam reais ou não e que permeia a semiótica. Umberto Eco, por sua vez, pode ser considerado um dos maiores especialistas na área de semiótica em todo o mundo e um dos que mais contribuiu para que a Comunicação fosse melhor compreendida na contemporaneidade.

Nos anos 1960, Eco estudou as relações existentes entre a poética contemporânea e a pluralidade de significados. E cria o livro “Obra Aberta”, no qual uma obra de arte amplia o universo semântico provável, pois cada receptor pode interpretar de uma forma aquela obra, dependendo de seu repertório.

Na década de 60, tornou-se conhecido pelos estudos sobre cultura de massa, em especial os ensaios contidos no livro “Apocalípticos e Integrados” (1964), em que defende uma nova orientação nos estudos dos fenômenos da cultura de massa e critica a postura apocalíptica daqueles que acreditam que a cultura de massa é a ruína dos “altos valores” artísticos.

Ao longo dos anos 70, e atravessando a década de 80, Eco escreve importantes textos nos quais procura definir os limites da pesquisa semiótica, bem como fornece uma nova compreensão da disciplina, segundo conceitos de filósofos como Immanuel Kant e Charles Sanders Peirce. Na coletânea de ensaios As formas do conteúdo (1971) e no Tratado Geral de Semiótica (1975), ele explica que o código que nos serve de base para criar e interpretar as mais diversas mensagens de qualquer subcódigo deve ser comparado a uma estrutura de uma raiz com diversas dimensões e que dispõe os diversos sememas (ou unidades culturais) em uma cadeia que os mantém unidos. “, explica a professora Fabíola Tarapanof.

Seu livro recém-lançado “Número Zero” é polêmico e traz um tema bastante atual: o mau jornalismo. “A questão é que jornais não são feitos para revelar, mas para encobrir as notícias”, afirmou Eco.

O que não saiu na mídia sobre Eco

Os dois professores da Universidade de Bolonha foram desafiados com o pedido “por favor, conte-me algo que não foi dito ainda sobre Umberto Eco nas milhares de matérias sobre ele após a sua morte”. As respostas foram tocantes.

Anna Maria destacou o respeito com os mais jovens. “Uma das coisas que mais me impressionava em Umberto era a atenção que ele dava aos jovens, a capacidade que ele tinha de reconhecer o talento e a inteligência deles, partilhando com eles seu conhecimento. Ele não era apenas um homem de cultura extraordinária, era muito atencioso – o que é uma forma de humildade.”

Paralelamente, Claudio definiu Eco como a própria semiótica. “Pessoalmente, creio que Umberto Eco foi a Semiótica. Ele o foi teoricamente, com seus livros, e também na aplicação da teoria, com sua incessante atividade de análise da sociedade e da cultura contemporânea: uma verdadeira prática semiótica daquilo que ele mesmo havia definido como “guerillha semiológica”, que ele nunca deixou de praticar, até o fim. Teoricamente, creio que as noções de “enciclopédia” e “ratio difficilis” sejam fundamentais, assim como são fundamentais as páginas do Trattato sobre a crítica da ideologia.

A semiótica na comunicação corporativa

O estudo dos signos e significados contidos nas mensagens corporativas e em relação a corporações é fundamental para o pleno entendimento da percepção que as pessoas tem e fazem sobre elas e para reforço de posicionamento. Com a ajuda da semiótica trazemos a tona não somente os significados diretos, como também os pertencentes à chamada “linguagem fria”, ou seja, aqueles que são comunicados sem palavras.

Na carioca Makemake, por exemplo, usamos desde 2011 técnicas de análise de discurso com base na semiótica para propor soluções que diminuam os gaps entre o posicionamento pretendido pelos clientes e como eles são percebidos pelos públicos de interesse. Em São Paulo, a Casa Semio, liderada por Clotilde Perez, uma das referências nacionais em semiótica, faz pesquisas relacionadas a marca, comunicação e consumo com uma abordagem semiótica desde o final de 2014.

Claudio Paolucci, quando perguntado sobre como a semiótica poderia aumentar o engajamento dos stakeholders, atestou que “de tantos e tantos modos que eles não podem ser listados no breve espaço de uma entrevista.” A professora Fabíola Tarapanoff, por sua vez, exemplificou como as marcas reforçam posicionamentos por meio dos símbolos. “O Instituto Sou da Paz criou uma campanha poderosa pedindo mais paz e contribuições com fotos de artistas fazendo o símbolo da paz, como a pomba formada com as mãos.

No logotipo da Unilever, a mensagem não é tão simples como a pomba da paz, mas o “U” é composto por 24 símbolos menores relacionados a segmentos que a empresa atua, como o sol (linha de protetores solares), e aos valores, missão e imagem que a empresa deseja criar, reforçando uma ideia de unidade.”

A última palestra na Universidade de Bolonha

A foto é escura, sem filtros ou tratamento. O mestre fala. Como bom italiano, ele gesticula. O palestrante ao lado, mais jovem, presta atenção. O mestre é o centro de todas as atenções, apesar de a foto não estar centralizada nele. As paredes mostram a solidez e a tradição da academia. Quantos significados em um pequeno tesouro. Esta foto foi tirada na última vez em que Umberto Eco falou para uma platéia, na Universidade de Bolonha, durante o congresso pelos 40 anos da Teoria da Semiótica, dia 06 de junho de 2015. Ele fechou o congresso, debatendo com outros palestrantes e com a plateia.

Os papers deste congresso podem ser acessados clicando aqui.