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A tragédia de Mariana, da Samarco e de todos nós

Apesar de ser a décima maior exportadora do Brasil, com clientes em mais de 20 países, a Samarco era uma marca desconhecida de muitos brasileiros fora do eixo MG-ES, onde possuía operações nos municípios de Mariana, Ouro Preto (MG) e Anchieta (ES), até o dia cinco de novembro de 2015. Neste fatídico dia, uma de suas barragens com rejeitos de mineração rompeu-se e um mar de cerca de 40 bilhões de litros de lama tomou conta de Mariana, passando por 650 km até chegar ao Oceano Atlântico, pegando carona pelo Rio Doce.

De “ilustre desconhecida”, a empresa passou a ser assunto recorrente no noticiário geral por causa dos desdobramentos do que está sendo tratado por vários veículos de comunicação como a maior tragédia ambiental acontecida no Brasil. Mineradora com sede em Minas Gerais, de capital fechado distribuído igualitariamente entre a brasileira Vale e a australiana BHP Billiton, a Samarco, até então, tinha recebido vários prêmios e era uma empresa admirada entre os seus pares. Em julho de 2015, apenas quatro meses antes do rompimento da barragem, a Samarco foi eleita a melhor mineradora do país pelo anuário Melhores e Maiores da Revista Exame. Esta foi a quinta vez que a Samarco apareceu no guia, sendo a terceira vez consecutiva. Pouco antes do acidente, foi tida como uma das 150 melhores empresas para trabalhar no Brasil, em pesquisa da revista Você S.A.

De novembro para cá, porém, a empresa tem vivido dias de incerteza. Acusada de ter sido negligente com os rejeitos – este teria sido o quinto vazamento de lama em dez anos, segundo matéria publicada pela Folha de São Paulo – a empresa se defende como pode e tenta dialogar com os stakeholders, na medida em que encontra abertura ou se sente minimamente confortável para tal. No olho do furacão, os pedidos de punição vieram de todos os lados, até da banda Pearl Jam. E na sexta-feira antes do carnaval, a Polícia Civil, após a Polícia Federal já ter indiciado os executivos por negligência em janeiro, disse haver evidências de que eles haviam cometido crimes de homicídio.

Ainda não é possível calcular todos os danos causados à imagem da Samarco, das controladoras, o prejuízo financeiro ou tampouco o ambiental.O cenário até o fechamento desta edição (17/02/2016) somava desaparecimento de duas pessoas, morte de outras 17 pessoas e de incontáveis espécies do ecossistema do Rio Doce e do próprio rio; multas bilionárias e restrição de crédito à Samarco pelo mercado.

Quem pagará por esta crise? Ela ficará para a história como a “tragédia de mariana” ou como o “acidente na barragem da Samarco?

“O sucesso é um grande inimigo das empresas pois ele cega”

Todas as pessoas procuradas para comentar esta tragédia, assim como as envolvidas na redação e na edição desta matéria, tiveram muito cuidado com as palavras empregadas e os juízos de valores proferidos. Todos entendem as dificuldades enfrentadas pela Samarco e os que conhecem a empresa mais de perto demostraram mais do que tristeza com o acidente; para estes foi uma surpresa. Nas palavras de Ricardo Voltolini, diretor-presidente da consultoria Ideia Sustentável, dava para imaginar um acidente como este em outras cinco ou seis empresas brasileiras de grande porte, mas não na Samarco, que sempre foi diferenciada.

Este sentimento de ser uma empresa acima da média pode ter levado a Samarco ao que o professor de governança da USP e sócio da Direzione Consultoria Alexandre di Miceli chama de “cegueira ética” – um estado de dessensibilização para as implicações das decisões tomadas – que atinge inclusive pessoas bem intencionadas, e que teria colaborado para o rompimento da barragem em novembro.

“Para mim está claro que a Samarco está passando por um processo de cegueira ética, onde a pressão por resultados financeiros passou por cima de tudo. Ela usa de eufemismos ao tratar o assunto e não assume o fato coletivamente. A Samarco era vista como uma empresa diferenciada. O sucesso é um grande inimigo, em muitos casos. É uma pena para todos nós e mostra como pessoas boas podem participar de atos terríveis, sem perceber. Que sirva de alerta para outras companhias. Se a empresa tivesse como prioridade real a segurança, o acidente não teria acontecido, porque as decisões seriam outras.”, ponderou di Miceli.

O consultor em Comunicação e professor de Gestão de Crise do MBA Aberje Valdeci Verdelho segue linha de raciocínio parecida. Para ele, “a principal característica desta crise enfrentada pela Samarco é o despreparo causado pelo excesso de confiança ou pelo fato de não considerar o inesperado. Este é um comportamento que se observa com frequência entre líderes de algumas organizações. Por arrogância ou ignorância, tratam gestão de crise como algo sobre o qual acreditam exercer um poder supremo. Ou então, descartam sem cerimônia um dos principais antídotos na prevenção de crise, que é imaginar cenários mais desfavoráveis e se preparar para situações absolutamente inesperadas”, afirmou. Outro consenso entre os entrevistados é que a forma como a empresa reagiu ao acidente e vem respondendo à crise abre espaço para muitas críticas. Faltam definição de plano de ações, timing, prestação de contas de qualidade e ação pró ativa.

Pão e Circo?

Entre as ações desenvolvidas pela Samarco para relacionamento com a comunidade afetada pela tragédia, além das indenizações financeiras, das ações de alojamento dos desabrigados e de assistência geral às pessoas diretamente atingidas, Mariana foi palco para uma programação batizada de “Janeiro Cultural”, com atividades para crianças, adolescentes e adultos.

Segundo o site da Samarco, a programação incluiu diversas oficinas de artes, apresentações musicais, dança, maquiagem e circo, torneios de futebol e truco, sessões de cinema, colônia de férias e dia de lazer. A programação teria sido desenvolvida em conjunto com líderes comunitários locais, de acordo com a demanda das comunidades.

Toda e qualquer ação de integração da comunidade é válida, principalmente levando-se em consideração o momento financeiro delicado da Samarco, com tantos prejuízos materiais e imateriais. Mas soa estranho ver o circo no meio das atividades, apesar de seu inegável caráter lúdico. Se o circo não estivesse entre as atividades, esta ação não seria tão diretamente associada à “Política de Pão & Circo”, que perdeu a sua percepção positiva ao longo do tempo e hoje remete à manipulação política para acalmar massas.

Ações da Vale chegam ao menor patamar em dez anos

A Vale tem tentado proteger a sua reputação, mas o dano à sua imagem causado pelo rompimento das barragens em Mariana é robusto, porque das três marcas envolvidas na tragédia: Samarco, Vale e BHP Billiton, para os brasileiros, a Vale é a marca mais conhecida e tangível.

Quando acontecimentos deste porte ocorrem, é natural que as pessoas busquem um “culpado” e que demandem por justiça (leia-se punição), isso faz parte do comportamento humano. A exclusão da Vale do Índice de Sustentabilidade da Bovespa, em novembro, e a desvalorização de suas ações (após o acidente, as ações da Vale atingiram o menor preço em dez anos, fazendo com que a empresa perdesse R$ 12,6 bilhões em valor de mercado em quinze dias) respondem, em parte, a esta demanda por justiça da sociedade. São uma forma de punir a empresa pela tragédia. De todo modo, há algumas considerações a serem feitas. A Vale deixou de ser sustentável da noite para o dia? O que se espera em termos de sustentabilidade para empresas extrativistas?

Lei prevê responsabilidade solidária

Em relação à responsabilidade criminal ambiental, a Lei 9605/98 responsabiliza a pessoa jurídica e as pessoas físicas dos dirigentes, dos prepostos, diretores, conselhos, consultores, peritos etc. Portanto, todos deverão ser indiciados e investigados. Segundo o advogado Francisco Carrera, do IEVA, a Samarco e as pessoas envolvidas podem responder por diversos crimes, sendo estes: Art, 29 (mataram a fauna); Art. 32 (causaram maus tratos a animais domésticos); Art. 33 (provocaram o carreamento de materiais para o Rio Doce); Art. 38 (destruíram a floresta da Área de Preservação Permanente); Art. 40, (causaram dano direto e indireto a unidades de conservação); Art. 49 (destruíram e danificaram plantas de ornamentação, de logradouros públicos e privados); Art. 50 (destruíram florestas nativas e plantadas). Tudo isto agravado pelo fato de que o crime foi cometido nas condições previstas nos Art. 53 e 54 (causaram poluição) e no Art. 62, (destruíram, inutilizaram e deterioram o patrimônio cultural).

Quem ficará com o passivo reputacional desta tragédia?

Grandes tragédias como esta costumam ficar associadas à localidade onde ocorrem, mais do que às empresas envolvidas. Valdeci Verdelho, por exemplo, ao comentar esta tragédia, se referiu ao acidente nuclear de Chernobil e ao vazamento de gazes tóxicos em Bhopal, o que levanta a dúvida sobre quem ficará com o maior passivo reputacional no futuro.

Será esta a tragédia de Mariana ou da Samarco? Como Mariana se comunicará no pós-crise para que a imagem que as pessoas venham a ter dela não seja mais a do lamaçal, seja de superação? É dever da Samarco ajudar a fortalecer a imagem das localidades atingidas por esta tragédia, de modo a atrair turismo e investimentos.

A reparação aos danos levará décadas. A continuidade da Samarco é um desafio. Mas que fique bem claro, uma tragédia deste porte não é apenas da Samarco (e suas controladoras) e das cidades atingidas. É de todos nós.

Veja também:

Que lições aprendemos com a Samarco?

Balanço das ações da Samarco após o rompimento da barragem em Mariana

* Tatiana Maia Lins é consultora em Comunicação com foco em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.