Os impactos do carnaval na imagem do Brasil
Até que ponto a cobertura do carnaval brasileiro mundo afora interfere na nossa imagem enquanto país e na nossa reputação?
Agora, que tambores e clarins estão mudos, começa para muitos brasileiros aquele longo período de cinzas entre a quarta-feira pós-Carnaval e o próximo sábado de Zé Pereira, ao qual se dá o nome de ano. É hora deguardar a fantasia no armário e vestir a roupa de trabalho. A pergunta que fazemos é: até que ponto a imagem projetada pela cobertura da mídia do carnaval brasileiro mundo afora interfere na nossa imagem enquanto país e na nossa reputação?
Segundo dados do Ministério do Turismo, nenhum outro evento fixo no nosso calendário repercute como o carnaval, fazendo a alegria das agências de notícias locais. E engana-se quem acha que o jornal com a notícia do carnaval vira papel de embrulhar peixe no dia seguinte. No site inglês da BBC, uma matéria sobreo carnaval do Rio está no programa“Learning English – Words in the News”, que mostra a pronúncia daspalavras e o significado das que são grifadas no texto. Ou seja, a narrativa sobre o carnaval carioca feita pela BBC é usada até em aulas de inglês nos recantos mais inusitados do planeta, massificando a ideia deque o Rio é uma festa.
Toda esta exposição é positiva? Ou acaba por reforçar clichês negativos sobre o Brasil?
Quais elementos emergem desta cobertura?
Carnaval reforça estereótipos
O engenheiro ambiental espanhol Alberto Del Rio acredita que a alegria do carnaval brasileiro – sobretudo o carioca – reforça o estereótipo da nossa imagem para os estrangeiros. “Antes de ir para o Brasil pela primeira vez, a imagem que eu tinha do país era de carnaval o tempo todo”, conta o madrilenho, que já morou no Rio, em Brasília e em São Paulo. Vivendo em Londres há três anos,Alberto diz que esse estereótipo continua firme, com o componente extra de superexposição da mulher brasileira. “Sobre o carnaval, [a imprensa daqui] divulga notícia só do desfile [das escolas de samba], principalmente com a imagem da mulata sambando”.
Se hoje a imagem da mulata sambando é a que prevalece, houve um tempo em que o símbolo do carnaval era masculino, o malandro carioca, que ganhou o mundo em infinitas representações. A mais famosa delas talvez seja o personagem Zé Carioca. Criado em 1940 dentro do Copacabana Palace pelo próprio Walt Disney, o papagaio não poupava o “jeitinho brasileiro” para se safar de problemas.
A imagem de um país é formada a partir da assimilação de informações (verdadeiras ou não), especialmente por quem não o conhece. É, portanto, resultado da percepção que as pessoas têm. Quando alguém não tem uma experiência concreta, sua percepção se dá com base em informações que chegam até ela. Tecnicamente, a reputação é a soma dessas imagens, construídas a partir das informações e experiências.
Associação é positiva
O professor Felipe Ferreira, coordenador do Centro de Referência do Carnaval da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), comenta que, ao contrário do que se considera normalmente, a associação do Brasil com o carnaval é extremamente honrosa e produtiva. “Poucos países possuem uma identidade tão positiva, ligada a conceitos de festa, alegria, música e comemoração. Tais conceitos não devem ser confundidos com falta de seriedade ou incapacidade produtiva. Ao contrário, o carnaval,seja ele das escolas de samba, dos trios elétricos ou dos blocos de rua,deve ser entendido como uma forma particular de trabalho, associado à alegria e ao prazer”.
Imaginário X realidade
Mesmo sem nunca ter vindo ao Brasil,o nigeriano Shola Adenekan, que vive na Europa há mais de quinze anos, tem com o nosso país uma conexão de forte referencial histórico e afetivo. Desde a infância, em uma região de tradição ioruba, no oeste da Nigéria, ele ouvia o pai contar relatos sobre descendentes de seu povo que viviam aqui, especialmente na Bahia. O Brasil que habitava o imaginário do menino Shola, conta o atual Professor Doutor em Linguísticae Literatura da Universidade de Bremen, na Alemanha, era o de um lugar com pessoas que adoravam os mesmos deuses e mantinham vestígios de antigas tradições iorubas.
Shola enumera outras imagens sobre o Brasil (futebol, pessoas bonitas, favelas, crime, carnaval do Rio) que ele considera “exóticas”, a partir do que vê na mídia, principalmente redes de televisão – estrangeiras ou nacionais com programação internacional.“Como um teórico da literatura, entendo a diferença entre imagens exóticas exibidas na mídia e a experiência real. É isso que ensino aos meus alunos, mas a realidade é que a maioria dos não-brasileiros poderá nunca fazer essa distinção”, adverte Shola.
Já John Gerzema, americano que veio a São Paulo diversas vezes a negócios, vê o Brasil como um lugar de diversidade, paixão e energia. Para ele, o Brasil é realmente associado ao carnaval, porém de maneira estereotipada.“Se outros aspectos da cultura fossem exportados, as pessoas poderiam ter uma apreciação e um entendimento mais amplos da cultura brasileira, para além de Rio, futebol e Havaianas”, recomenda o CEO da BAV Consulting e autor de diversos títulos sobre branding e marcas que figuram nas bibliografias de universidades do mundo todo.
Compreensão é apenas parcial
Denise Coronha, especialista em inteligência intercultural e coaching de executivos, explica que quase todos os seus clientes estrangeiros chegam aqui com uma ideia bem clichê de que o Brasil é um país de sol e de mulheres bonitas. Mas que, para eles, a linha que divide aspectos culturais da rotina de negócios é bastante clara.
A nossa inquietude no carnaval não significa para os estrangeiros algo nocivo, desde que não haja descumprimento de metas, problemas de compliance, responsabilidade socioambiental etc. “Mesmo fora do trabalho, em geral, eles não percebem toda a dimensão e as camadas de significados que o carnaval tem para nós”, diz Denise, da Rio Total Consultoria. Esta falta de compreensão por parte dos estrangeiros talvez explique a falta de profundidade das coberturas sobre o carnaval que contribui para a visão parcial e estereotipada que os estrangeiros têm do Brasil.
* Rodrigo Hilário é jornalista, consultor de Comunicação Institucional com foco em Gestão de Crise e pesquisador do Carnaval.