A hora e a vez dos boards com foco em Sustentabilidade
O tempo em que se acreditava que a função social das empresas era gerar lucro para os acionistas acabou. A última pá de cal nesta visão foi jogada pela pandemia do novo coronavírus, que ressignificou o que é considerado atributo de valor para a reputação das organizações, trazendo a geração de valor compartilhado para o centro das expectativas dos stakeholders em um mundo que não tolera mais tanta desigualdade de acesso e de oportunidades.
Com a mudança de expectativas por parte dos mais diversos stakeholders, as empresas precisam de boards preparados para entender as novas demandas, a fim de ajustar as operações e as estratégias. Mas como gerar valor que possa ser percebido como compartilhável por todos e todas sem ter uma mentalidade afinada a estes preceitos?
Parece-me um esforço antinatural, pouco eficiente e desnecessário. Por outro lado, o mais inteligente a ser feito me parece ser aumentar a diversidade dos boards com pessoas que entendem de negócios e que também entendem de meio ambiente, de diminuição de desigualdades, de empatia, de justiça, de construção de laços de confiança, de interdependência.
Esses atributos não são excludentes. Pelo contrário, são complementares. Quem compreender esta interdependência sai na frente em comparação aos concorrentes no que garantirá as primeiras posições nos corações e mentes das pessoas que formam seus grupos de consumidores, acionistas e colaboradores, para ficar entre os stakeholders essenciais de qualquer negócio. Chegaram a hora e a vez dos boards com foco em Sustentabilidade e formado por lideranças plurais.
A urgência necessária para o desenvolvimento de ações voltadas ao alcance da Agenda 2030, que prevê a erradicação da pobreza e da fome no mundo, além de uma ação enérgica de preservação e recuperação do meio ambiente dentro de dez anos é mais um elemento que deve ser levado em consideração nestes cenários complexos.
Quase 200 anos após o controverso Grito do Ipiranga, que marcou a independência brasileira de Portugal, no 7 de setembro de 1822, me pego pensando no conceito de interdependência entre os países, entre as pessoas e entre os agentes da sociedade civil. Ou agimos rápido e em conjunto, ou não conseguiremos alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estipulados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015. Pior: se não agirmos rápido e em conjunto contra as mudanças climáticas, o mundo não dará conta de sustentar tantas pessoas, tampouco teremos um clima em que conseguiremos viver de modo confortável. Sem planeta não há vida, muito menos negócios.
Apesar de óbvio, precisamos dizer o óbvio para quem ainda não entendeu. E precisamos focar também na diminuição de gaps entre discurso e prática para termos resultados tangíveis.
Segundo dados do relatório “The Decade to Deliver: A Call to Business Action, The United Nations Global Compact — Accenture Strategy CEO Study on Sustainability”, de 2019, 92% dos CEOs acreditam que a integração da sustentabilidade será importante para o sucesso no futuro de seus negócios. No entanto, apenas 48% dos CEOs dizem que estão implementando sustentabilidade em suas operações, e 21% dos CEOs realmente sentem que a empresa está atualmente desempenhando um papel fundamental para alcançar os ODS. Se 92% acreditam que sustentabilidade é importante para o futuro de seus negócios e apenas 48% estão implementando sustentabilidade em suas operações, o que estão fazendo os outros 44% dos CEOs? E que tipo de agenda ESG é essa que está sendo praticada se apenas 21% dos CEOs sentem que as empresas estão envolvidas na geração de valor compartilhado para a sociedade por meio dos ODS?
As perguntas certas precisam ser feitas, ainda que sejam duras. O futuro dos negócios depende de líderes que consigam entender as demandas por geração de valor a ser compartilhado com todos e todas. Repito: chegaram a hora e a vez dos boards com foco em Sustentabilidade. Com S maiúsculo. Daquela Sustentabilidade que abandona o verde como cor de identificação e adota o colorido dos ODS e da diversidade. A Sustentabilidade Estratégica.
* Tatiana Maia Lins é CEO e fundadora da consultoria Makemake – A casa da Reputação, editora da Revista da Reputação, palestrante e professora na ESPM SP e de cursos e treinamentos in company.
** Artigo previamente ,publicado pela Ideia Sustentável em 18/08/2020.