A instabilidade política de dois impeachments em menos de 25 anos
Fora o Brasil, qual outro país passou por dois Impeachments de presidente em pouco menos de 25 anos? Até onde conseguimos apurar, este é um feito apenas nosso. Nascido na Inglaterra medieval para punir aqueles que estavam acima da lei, o impeachment se popularizou após começar a ser previsto pela constituição dos Estados Unidos. Lá, dois presidentes também passaram por processos de impeachment, porém com mais de 100 anos de distância entre um e outro e em nenhum caso com o real afastamento do presidente pois ambos foram inocentados pelo Senado (Andrew Johnson, 1868 e Bill Clinton,1999). Richard Nixon, apesar de ter sido o único presidente americano a ter renunciado ao cargo, em virtude do escândalo de Watergate (1074), não entra para a conta porque renunciou antes que o seu processo de impeachment começasse.
Se a reputação de um país tem como base aspectos econômicos e políticos – como a estabilidade, a atração de negócios e a definição de políticas públicas – além dos apelos turísticos, qual o impacto para o Brasil destes dois impedimentos?
A discussão aqui não é política, não importando questões partidárias. O debate se restringe a uma análise do gap entre o ideal de estabilidade política e a percepção sobre o que acontece no Brasil.
Impeachment e o nosso jeitinho
No Brasil, engana-se quem acredita que os únicos casos de pedido de impeachment foram os de Collor e de Dilma. Nossa “paixão” por impeachments, algo que deveria ser usado em última instância, começou em 1893, com Floriano Peixoto, mas o pedido não foi aceito. Campos Sales (1898-1902) também se livrou de pedidos, assim como Hermes da Fonseca (1910-1914). Para ficar entre os presidentes eleitos após o Regime Militar (1964-1985), Fernando Henrique Cardoso e Lula também tiveram pedidos de impeachment que não foram aceitos pela Câmara dos Deputados.
Na teoria, o impeachment é um ato criado para punir quem estaria acima da punição tradicional, se configurando como um ótimo mecanismo de controle. Porém, com este histórico, o impeachment no Brasil poderia ser considerado um mecanismo legal usado de modo político, deixando mais vulneráveis os presidentes que não conseguem maioria na Câmara e no Senado, ou seja, governabilidade?
Nossos políticos não são vistos como símbolos da moral, fato. E seria salutar que os maus políticos fossem realmente punidos. Mas, será que estamos usando o artifício do impeachment corretamente ou este foi o jeitinho que encontramos de perpetuar grupos políticos no poder?
“O período de maior estabilidade política do Brasil é o Imperial que vai da Independência, em 1822, à Proclamação da República, em 1889” Rita Soares
Estabilidade só no Império
Rita Soares (foto ao lado), mestre em Ciência Política pela UFPA e professora da Faculdade Estácio de Sá, afirma que ainda é cedo para fazer uma avaliação precisa dos impactos do último impeachment para a reputação do Brasil, mas afirma que esses solavancos nas instituições certamente afetam a percepção que brasileiros e estrangeiros têm do Brasil e da democracia brasileira, deixando mais evidente a instabilidade para quem tenha como parâmetro democracias mais consolidadas. “Sem dúvida a sequência de impeachments e especialmente este último processo que revelou uma forte polarização da sociedade contribui para essa imagem de instabilidade que se reflete nas relações internacionais e, certamente, influencia investidores”, afirma Rita, que lembra que historicamente o período de maior estabilidade política do Brasil é o Imperial, que vai da Independência, em 1822, à Proclamação da República, em 1889. Depois, de 1930 a 1945 houve um período conturbado de governo provisório e ditadura do Estado Novo. Em 1954, o suicídio de um presidente – Getúlio – e depois um golpe militar que durou de 1964 a 1985, com eleições diretas somente em 1989, com Collor.
Já o professor da UFPE Michel Zaidan Filho (foto abaixo), doutor em História Social pela USP, aponta exatamente a nossa herança imperial, somada à grande quantidade de partidos que temos no Brasil, como um dos fatores para a nossa instabilidade política. “Não temos tradição parlamentarista e/ou federativa. A nossa herança (ibérica) é monárquica e patrimonialista. Centralizadora e autoritária. Essa herança sobrevive através de um imaginário político messiânico, ora encarnada na figura do monarca imperial ora na do Presidente imperial ou chefe de uma ditadura civil ou militar ou no salvador da pátria. Temos um desprezo atávico e ancestral pelo parlamento, partidos e o instituto da representação política. E temos um dos mais improváveis modelos políticos do planeta, que conjuga multipartidarismo (33 legendas) com presidencialismo. Uma contradição nos termos. Um convite permanente à crise política, também chamada de governabilidade”, explica Zaidan.
“Dilma foi afastada por suposto crime de responsabilidade, mas não perdeu os direitos políticos e Temer está inelegível pela lei da Ficha Limpa. A cassação de Collor é fichinha diante do mensalão e da Lava jato. A perda de credibilidade tem a ver com a corrupção e a impunidade da elite política” MIchel Zaidan Filho
Versão que fica para a história
Fernando Collor renunciou ao cargo de presidente, mas entrou para a história como um presidente que sofreu impeachment porque ele foi condenado pelo Senado e teve os seus poderes políticos cassados. Ainda é cedo para afirmar se Dilma entrará para a história como uma presidente que sofreu um golpe ou se o processo de impeachment tinha legitimidade porque o caso ainda é muito recente e ambas as versões ainda ecoam.
Rita Soares está certa quando diz que o Brasil tem a vantagem de ser visto no exterior como um lugar bonito por natureza, pacífico, de povo acolhedor, mas que nossas mazelas políticas e sociais não passam despercebidas, ainda que sejam apontadas apenas para uma parcela da população mais interessada no que acontece no nosso país. Um exemplo disso foi a cobertura feita pelos jornais europeus, latino americanos e os maiores jornais dos Estados Unidos sobre o processo de impeachment de Dilma. As matérias, em peso, apontavam a crise política que estamos vivendo, levantavam a dúvida sobre a legitimidade do afastamento da presidente, assim como apontava a incoerência dos nossos políticos e o cenário de denúncias de corrupção da Lava Jato. Entretanto, esta cobertura foi pontual e não é possível afirmar que o mundo viu o que estava acontecendo no Brasil ou que a instabilidade política tenha afetado a nossa reputação.
Terence Flynn, professor do departamento de comunicação da Universidade McMaster, do Canadá, e dos cursos da Aberje, afirma que o impeachment de Dilma e as acusações de corrupção alcançaram bem menos espaço na mídia internacional do que a cobertura positiva dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro. E a reputação do Brasil saiu ganhando com a falta de preparo dos jornalistas esportivos em desenvolver reportagens profundas sobre assuntos políticos.
Política à brasileira
Em 126 anos de República, o Brasil teve até hoje 36 governantes – apenas doze foram eleitos diretamente e terminaram o mandato. De 1926 pra cá, dos 25 presidentes que tivemos, somente cinco foram eleitos pela população e cumpriram os seus mandatos até o fim: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula, FHC e Dilma (no primeiro mandato).
Presidente eleito como caçador de marajás, Fernando Collor, sofre impeachment por denúncia de corrupção e volta à vida pública como senador. Presidente do Senado à época do impeachment de Dilma, Renan Calheiros, é acusado de crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Parte das acusações pode estar prescrita.
Guerra de versões sobre a legitimidade do impeachment de Dilma coloca em dúvida a real motivação do processo após vice-presidente se declarar oposição ao governo para o qual foi eleito, gerando protestos de seus eleitores em várias cidades.
* Tatiana Maia Lins é Consultora em Comunicação com foco em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.
** Fotos dos políticos – Agência Brasil