Entrevista – Carla Crippa / Ambev
A empresa que mais me surpreendeu durante a pandemia foi a Ambev, pela resposta rápida de adaptação de suas atividades para resolver problemas que a sociedade estava enfrentando. Em um momento de mudanças na alta gestão da companhia, que tem Jean Jereissati como CEO desde o início do ano, a Ambev tem renovado a sua imagem com maior exposição institucional sob a #AlémDosRótulos. Venho acompanhando o movimento e fiquei curiosa para saber mais. Entrevistar Carla Crippa, VP de Corporate Affairs da Ambev, foi um grande prazer por ver uma mulher jovem, mãe, e bem sucedida usando o alcance que a companhia em que trabalha possui para transformar o mundo em um lugar melhor. Vamos juntos conhecer um pouco mais sobre a Ambev e sobre Carla?
Tatiana Maia Lins: #AlémDosRótulos é uma hashtag incrível, que convida as pessoas a repensarem suas percepções sobre a Ambev. Conta para gente, como surgiu esta tag?
Carla Crippa: A hashtag #AlémDosRótulos surgiu de um reposicionamento da companhia, que entendeu que muitas pessoas desconheciam a Ambev, ou a conheciam, mas sem ter conhecimento de diversas ações praticadas companhia. Queríamos então apresentar a Ambev e também desmistificar alguns preconceitos ou rótulos já estabelecidos. Assim, mais do que uma hashtag surgiu uma proposta para nos aproximarmos das pessoas e mostrarmos uma Ambev além dos rótulos, sejam eles as próprias marcas, seja além dos preconceitos e barreiras.
Por meio dela, queremos mostrar para as pessoas que nossas histórias, nossas ações e que nosso propósito está muito além do que elas conhecem. Quando a gente fala que somos além dos rótulos, a gente afirma que sim, nós produzimos cerveja. Mas vamos além. Nossa história passa pela qualidade do que produzimos, com o agricultor que planta a cevada, pela forma como produzimos, com sustentabilidade e muita paixão, por inovação, por diversidade. Somos um ecossistema muito maior e muito mais complexo do que os rótulos de cerveja que as pessoas conseguem ver.
Há vários anos a Ambev é uma empresa com reputação muito forte. Em 2018, fiz uma ,entrevista com Alfried Ploger, à época presidente da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e perguntei a ele em que a Ambev diferia das outras empresas listadas em bolsa no Brasil, pois a Ambev tinha o maior prêmio de reputação na bolsa brasileira, com mais de 45% de seu valor de mercado oriundo de reputação. Refaço a pergunta para você. O que difere a Ambev das demais companhias listadas na bolsa no Brasil?
Não tenho dúvidas de que isso é resultado de um esforço contínuo nosso para fazer negócios que causem impacto positivo na sociedade e na natureza, com responsabilidade, ética e transparência. A Ambev tem uma história de mais de 20 anos, mas se originou de empresas que têm mais de 150 anos. É uma das principais empresas do Brasil e da América Latina. Ao longo dessa trajetória, cada passo que demos nos ajudou a construir não apenas o nosso negócio, mas também a nossa reputação. Somos uma empresa brasileira, que teve um profundo impacto no mundo dos negócios, com um modelo de gestão que até hoje influencia outras empresas.
Outro fator que ajuda a construir a nossa reputação é o fato de o nosso negócio ter um grande impacto positivo em todo o ecossistema ao nosso redor: os consumidores, o mercado de trabalho, nossa gente, comunidades próximas às nossas cervejarias, o meio ambiente, nossos parceiros de negócios, nossos fornecedores.
Acredito muito na geração de impacto positivo na sociedade. Esse era um movimento que já existia dentro da companhia mas que ficou ainda mais evidente durante a crise de COVID-19, que foi quando olhamos para as nossas operações e fizemos algumas adaptações para ajudar a resolver os principais problemas da sociedade.
Esse foi um enorme exercício de como gerar valor positivo, mas além disso de empatia e humanização. Nós aprendemos muito e com certeza vamos continuar evoluindo nessa direção. Acredito que esse deva ser o papel das empresas e marcas. E essas ações começam a pautar os investidores. Em um passado recente, por exemplo, quando a gente levava esses assuntos de impacto social ou ambiental para os investidores querendo apresentar como uma vantagem competitiva, não tinha muito eco, mas agora começa a vir demanda proativa.
Eu fico super feliz quando a nossa área de relação com investidores pede para apresentarmos a nossa plataforma de sustentabilidade e os nossos projetos, porque isso mostra que o próprio investidor já viu que não é uma questão de a empresa abraçar a árvore, é uma questão de a empresa sobreviver a longo prazo, é uma questão de resiliência de todo ecossistema. Eu tenho certeza de que em um futuro próximo o mundo dos negócios estará diferente, porque, hoje, já temos mais abertura para levar propostas socioambientais e as pessoas entendem a importância de investir nisso de maneira efetiva, de não ser só discurso, mas uma prática. Eu vejo essa mudança acontecendo enquanto a gente fala.
Mesmo em um cenário de pandemia a Ambev segue criando valor para os seus acionistas, e sobretudo, segue criando valor e compartilhando valor com a sociedade. Agilidade e precisão na escolha de causas que a empresa abraça tem sido uma constante. Como tem sido trabalhar internamente para a solução de problemas da sociedade?
Em meio à crise de COVID-19, muito se questionou sobre o papel de empresas e marcas para ajudar a sociedade. O setor privado tem uma responsabilidade fundamental nesse cenário e nós como uma das maiores empresas do país temos que ter consciência do nosso papel. Nossa primeira reação foi: como podemos ajudar? É parte da nossa cultura olhar além dos nossos muros, perceber problemas e usar o que temos e transformar em colaboração. A partir disso, olhamos para o nosso negócio e pensamos: como podemos adaptar o que temos para o momento atual? Então, usamos o álcool da produção de cerveja para fazer e doar 1 milhão de frascos de álcool em gel, que estava em falta no mercado; reunimos parceiros e nossa expertise em construção ágil para construir 100 leitos de hospital no prazo recorde de 34 dias e doar à prefeitura junto com parceiros; usar o plástico das nossas embalagens para fazer e doar 3 milhões de máscaras face shield para os profissionais de saúde de todo o Brasil; doar água potável para comunidades, doar pão fabricado a partir do malte das nossas cervejas para comunidades; ajudar nossos parceiros, bares e restaurantes, na retomada, fazendo parceria inclusive com concorrentes; parceria para criar capacidade de produção para fábrica de vacina contra COVID, entre outras. Essa foi e continua sendo nossa principal estratégia: ajudar as pessoas e o nosso país. Ainda não conseguimos ter um panorama geral de todos os efeitos e impactos que a pandemia trouxe para todos nós, mas aprendemos, adaptamos e desenvolvemos métodos cada vez mais ágeis e centrados na resolução de problemas reais. São aprendizados que ficam para sempre e serão incorporados na nossa forma de fazer negócios.
Durante a pandemia, a Ambev também abraçou a causa da diversidade racial para inclusão, se comprometendo publicamente com a criação de um comitê de inclusão racial e com ações como a eliminação da prova de inglês para o programa de trainee, que foi trocada pela concessão de bolsas de estudo de inglês. Que transformações na cultura corporativa você percebe a partir deste compromisso e o que vocês esperam em médio e longo prazo?
As desigualdades sociais são um problema estrutural e que, infelizmente, se refletem no mercado de trabalho. Há algum tempo temos olhado para diversidade dentro da companhia, com o exercício de entender melhor o nosso ambiente corporativo e, com isso, identificamos alguns processos e práticas que precisávamos evoluir.
Reconhecemos que há um caminho grande a ser percorrido quando falamos sobre a questão de diversidade racial dentro da Ambev e que tudo que fazemos ainda é insuficiente. Foi resultado desse processo que surgiu, por exemplo, o programa de estágio Representa, exclusivo para universitários negros, com objetivo de ampliar a representatividade dentro da companhia que vista criar mais igualdade de oportunidades para que candidatos com diferentes experiências de vida possam ser selecionados.
Se antes havia barreiras – na forma de testes de inglês, por exemplo – agora retiramos esses entraves e substituímos por capacitação e desenvolvemos conteúdos que vão ajudar os inscritos a se prepararem em todas as etapas do processo.
Todos ganham quando promovemos a diversidade dentro da companhia e no nosso ecossistema. As políticas de diversidade trazem benefícios de curto, médio e longo prazo, criando um ambiente de confiança e bem-estar para os funcionários, mais propício para colaboração, criatividade e inovação e mais preparado para entender nossos consumidores – também diversos –. Tanto que várias pesquisas mostram que equipes com times diversos têm melhores resultados, e isso vem da união de histórias, personalidades, culturas e formações diversas. Nós temos uma cultura que estimula a autenticidade e focar na agenda de diversidade vem nessa linha, porque promove a empatia e incentiva que os times sejam cada vez mais diversos.
Você tem formação em economia e em direito e entrou na Ambev cuidando de integridade em 2013, como gerente jurídica. Como você enxerga a relação entre Comunicação, Integridade, Compliance e Reputação?
São temas intrinsecamente relacionados e ética e integridade nunca foram valores tão importantes na nossa sociedade como hoje. A ética é a base dos nossos princípios na Ambev. Está escrito na nossa cultura: não pegamos atalhos. Essa é uma mensagem reforçada constantemente pela alta liderança e pelo time de Compliance. Quem entra na Ambev já entende logo de cara que essa é uma premissa muito forte. Isso guia todas nossas ações, todos os nossos projetos e, por isso, temos a segurança de construir uma comunicação transparente com nossos funcionários, com nossos stakeholders e com todos que fazem parte do nosso ecossistema. A somatória desses princípios contribui para a nossa reputação.
Quais são os principais desafios do gerenciamento de reputação da Ambev e como vocês lidam com eles?
O conjunto de ações e esforços contribuem para a reputação da companhia. Estamos sempre em busca de gerar impacto positivo em todo o nosso ecossistema. Por isso, quando fazemos negócios, precisamos pensar: qual é o impacto que as nossas ações vão ter em cada um desses públicos? A complexidade de entender todos os impactos e públicos em uma empresa do tamanho da Ambev, em uma sociedade com formas pulverizadas de comunicação, sem falar nas fake news, é um desafio enorme.
Você foi promovida a VP pouco depois de retornar de licença maternidade. Que conselhos relacionados à reputação profissional você daria a outras mulheres que gostariam de assumir altos postos em cargos executivos? Quais são as principais soft skills a serem desenvolvidas?
A maternidade é um momento muito transformador na vida das mulheres. E também muito particular, em que a gente se questiona, se culpa, fica vulnerável, sente medo, mas também tem uma fonte de alegria, cuidado, esperança e muito amor. As mulheres e os homens, em qualquer posição, ainda têm dificuldade de falar sobre maternidade, sobre volta da maternidade, sobre cuidados com os filhos, sobre mudanças de rotina pelos filhos e temas relacionados a tudo isso. Mesmo que haja barreiras, é importante que as mulheres conversem sobre o que estão vivendo, que busquem uma rede de apoio de pessoas próximas, de outras mulheres que passaram por isso, a chamada sororidade. E que busquem conversar com seus gestores, sejam homens ou mulheres, sobre a situação da forma mais transparente possível para que possam se planejar.
Você gostaria de comentar algo que eu não tenha perguntado?
Temos que nos sintonizar com o nosso propósito de vida. Fazer uma busca íntima e individual do que nos move. E ter coragem de buscar nossos sonhos. Quando me perguntam sobre carreira, meu conselho é abandonar o medo e seguir em frente, seguir sua motivação seja qual for ela. Se você tem uma ideia genial, por mais maluca que possa parecer, corra atrás. Pode ser que a sua proposta mude o destino de muita gente, inclusive o seu.
* Tatiana Maia Lins é fundadora da Makemake, a Casa da Reputação, editora da Revista da Reputação e professora do Master em Comunicação Empresarial Transmídia da ESPM-SP.