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Celso Amorim: “A reputação do Brasil não mudará se não mudar a realidade”

Celso Amorim: “Quer melhorar a imagem do Brasil? Faça eleições democráticas, dê legitimidade ao governo. A reputação não mudará se a realidade não mudar. E a realidade está muito ruim.”

Na chuvosa tarde do dia 17 de agosto de 2017, o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil (1993-1995 e 2003-2011) e ex-ministro da Defesa do Brasil (2011-2015), Celso Amorim, recebeu a editora da Revista da Reputação e diretora da Makemake, Tatiana Maia Lins, e o Gestor de Relações Institucionais e Internacionais da Aberje e doutorando no PPGCOM-USP, Tato Carbonaro, em sua residência, no Rio de Janeiro, para um bate-papo sobre a reputação do Brasil.

A conversa franca e igualitária, em que o ex-ministro e diplomata, ao ser perguntado como gostaria de ser chamado respondeu: “Bem, meu nome é Celso, este é o nome que meus pais me deram, você pode me chamar como quiser”, discorreu sobre análises de períodos históricos e, embora ele considere a situação brasileira muito difícil atualmente, ele é categórico ao afirmar que vamos sair dessa falta de perspectiva quando tivermos um governo legítimo no poder.

A seguir, a transcrição dessa conversa, que serve, sobretudo, como um relato, para a posteridade, do tempo em que vivemos. Decidimos pela transcrição para preservar a riqueza do conteúdo bruto. Os posicionamentos políticos foram mantidos tais quais foram surgindo na conversa. O texto não foi revisado pelo entrevistado, mas tem a sua autorização para publicação.

Tato: Sei que você e a Tati já conversaram sobre isso em outra ocasião. Mas quais são os possíveis caminhos para o amanhã do Brasil?

Celso: Primeiro, está difícil ver o amanhã. Estamos vivendo um momento de muita crise e, mais do que isso, eu sou uma pessoa que já viveu três quartos de século e há muitos anos eu não vejo o Brasil tão mal em termos de perspectivas. Houve um baque antes disso, mas desde o governo Geisel, para falar da minha vida adulta, o Brasil estava melhorando – de uma maneira ou de outra. Claro que nenhum processo é linear. Houve períodos melhores, outros piores. Mas desde o governo Geisel houve a abertura lenta, gradual e segura. Muito mais lenta do que eu gostaria. Mas, seja como for, ocorreu.

No governo Figueiredo houve a anistia, que permitiu a volta dos exilados. Hoje nós criticamos a forma, mas houve a volta dos exilados políticos. Eu era presidente da Embrafilme e, numa dessas idas e vindas do governo – sístoles e diástoles como chamava o Golbery – eu fui demitido da Embrafilme por causa do filme “Pra frente Brasil”. Mas o sentido geral continuava, tanto que eu fui demitido no dia 1º de abril de 1982 e, apenas oito ou nove meses depois, teve eleição para governador.

Depois, tivemos o governo civil e, então, tivemos a primeira eleição direta. O presidente sofreu impeachment, mas o impeachment naquele momento uniu o país, não foi um impeachment como o da Dilma. Aquilo, na época, demonstrou para mim a força das instituições.

Depois veio a estabilidade econômica. Claro que o Fernando Henrique tem méritos, mas Itamar teve muito mérito também. Um mérito duplo ao meu ver, porque o Itamar não apenas sabia que o Fernando Henrique teria uma projeção muito grande e o nomeou para o cargo sem ciúmes e, segundo, porque ele soube aplainar as arestas excessivas dos economistas, mantendo aluguéis e mensalidades escolares congelados. Ele tinha um sentimento nacional muito forte que ajudou a consolidar o Mercosul com a ideia de paz na região. Então, o Brasil estava sempre melhorando.

O governo Fernando Henrique representou um intelectual no poder, um período de consolidação da democracia. Tanto assim que, quando Lula foi eleito em 2002, a primeira pessoa para quem eu telefonei foi o Fernando Henrique Cardoso, fui colega de ministério dele, não conhecia o Lula pessoalmente ou pelo menos ele não me conhecia, e cumprimentei Fernando Henrique por aquilo que eu considerei um passo definitivo para a consolidação da democracia: ele, como um intelectual em seu tempo, transmitindo o poder a um operário.

No governo Lula, eu pude fazer algumas coisas na política externa que nunca havia sonhado em fazer. Eu fui ministro no governo de Itamar, mas eu tinha limitações. Quando o Brasil elegeu um operário, senti que havia confiança e auto-confiança nos brasileiros e isso permitiu posicionamentos interessantes no campo internacional.

Depois veio a Dilma, uma mulher.

E aí tudo começou a piorar de uma maneira inesperada ao meu ver, não no detalhe, mas na profundidade, terminando com um impeachment que considero completamente ilegítimo – não só porque não há causa suficiente ou substantiva para o impeachment da presidente, e mesmo supondo que houvesse razão para isso, porque o impeachment não é feito para mudar um projeto de governo. Por coincidência, eu morava nos Estados Unidos quando houve as duas tentativas de impeachment recentes – contra o presidente Nixon, que acabou renunciando, e contra Bill Clinton. Em nenhuma dessas situações se poderia imaginar que quem assumisse faria alianças com a oposição para mudar a plataforma de governo eleita, que foi o que aconteceu no Brasil.

Quando se pergunta se foi golpe ou não foi golpe, a pergunta é para além dos preceitos legais, é sobre ter sido um golpe na História, ao mudar a trajetória da história com uma manobra jurídica cuja razão de ser não é essa. Isso nos deixa em uma situação de governo sem legitimidade, com a mais baixa popularidade, tomando medidas que julgo muito negativas e que terão impactos e consequências de longo prazo, tanto no que diz respeito à desnacionalização de empresas, quanto em relação aos investimentos ou gastos – como queiram chamar – sociais.

O governo não foi eleito para fazer as reformas dessa forma como estão acontecendo. Congelar investimentos por 20 anos por medida constitucional é algo que eu nunca vi no mundo. O Brasil está em uma situação que se for eleito um governo progressista ou de centro-esquerda ou qualquer governo verdadeiramente democrático, qualquer que seja, vai ter que mexer nisso, vai ter que refazer uma reforma na Constituição, vai ter que entrar em conchavos no congresso, que é exatamente o que a gente critica. Todo mundo sabe como são feitas emendas na constituição, são com toma lá, dá cá. Isso é legal ou ilegal? Eu não sei, mas isso me parece tão chocantemente antiético.

Tatiana: É imoral.

Celso: É imoral. E por isso digo que estamos no pior momento de nossa história recente. E eu digo isso com muita tristeza. Claro que não quero dizer que vivemos hoje pior do que vivíamos há 50 anos, pois tivemos muitas conquistas. Digo que é o pior momento em relação ao tempo presente e às expectativas mais imediatas em relação ao futuro. Mas não sei… A época que a classe trabalhadora mais sofre, que é quando há o desemprego, é a época mais difícil para mobilizar por mudanças, porque todo mundo fica com medo de perder o emprego. Isso gera uma sensação amedrontadora, um risco de (subida da) extrema direita, com risco de surgimento de falsas lideranças que vão explorar o cansaço com a política. Essa não é uma sensação boa.

Dito isso, eu confio no Brasil no longo prazo. É um período muito ruim, eu não sei quanto tempo vai durar, mas o povo brasileiro vai superar. Eu não sei se eu estarei aqui para ver, mas isso vai acontecer porque o povo é muito forte. E há muitas conquistas que não se perderam.

Por exemplo, eu vou constantemente dar aulas em universidades particulares e públicas e vejo que a cor dos alunos mudou. Há maior número de negros e há também maior número de mulheres. O congelamento de investimentos vai afetar esta conquista (Tato: já está afetando), mas uma vez que a pessoa provou do bolo, é mais difícil tirar dela esse prazer.

Eu vejo também um grau de organização da sociedade brasileira, que pode não ter poder de mobilização de milhões de pessoas, mas que é muito positivo.

Tato: Nesse momento tão difícil, você acha que podemos voltar a ter um protagonismo global? De que forma isso poderia ser conseguido?

Celso: Hoje? Hoje, do jeito que está, é impossível.

Tatiana: E o que a gente precisa fazer para que isso seja possível? Há alguma coisa que a gente possa fazer?

Celso: Você diz “a gente” quem? Nós três?

Tatiana: A gente como sociedade, enfim, o povo brasileiro. Nós três… (risos gerais). Você faz muito.

Celso: O povo brasileiro precisa de um governo legítimo. Claro que eu tenho a minha preferência, mas qualquer presidente que seja eleito em um processo LEGÍTIMO, sem mistificação, sem essa exploração baixa contra a política em geral, sem esse populismo de extrema direita que conseguiu sair parcialmente vitorioso nos Estados Unidos e no Brexit, mas que é mal visto no mundo. Não é dizer que qualquer eleição resolve. Tem que ser uma eleição dentro de normas claras, com a mídia atuando de forma menos parcial – coisa que nunca aconteceu e nem tem acontecido. Senão teremos uma repetição do efeito Collor. Collor hoje parece que mudou um pouco de atitude, eu digo Collor como era, que prometia acabar com os marajás. Um candidato nesses moldes seria um grande risco para o Brasil.

Tatiana: Um candidato fenômeno de marketing, fabricado.

Celso: Sim, um candidato fabricado seria um risco e temos visto muito isso. Uma coisa que muito me impressionou foi um artigo que li sobre empresas, vocês devem conhecer isso melhor do que eu, sobre a eleição de Trump, em que os dados todos foram manipulados, os big dados. Então, se sabia tudo sobre as pessoas, o que as pessoas gostavam, os times para os quais torciam, o que comiam. Aí houve, por exemplo, a informação sobre os negros na Flórida e eles sabiam que não iriam conseguir fazer com que eles votassem no Trump. O que eles fizeram? Partiram para a estratégia de desestimular os negros a irem votar com críticas à Fundação Clinton no Haiti. E, como resultado, realmente, muitos negros não foram votar porque não gostavam também da Hilary. Isso é muito perigoso.

Tato: Existem alguns rankings de reputação de países que mostram que o Brasil teve uma queda de reputação há uns quatro anos e estabilizou a reputação, não é Tati?

Tatiana: Sim, o Brasil vinha em um crescente de reputação e por causa de toda essa crise da Lava-Jato e como consequência da Lava-Jato, a percepção positiva interna no Brasil teve uma queda muito grande e isso fez com que a nota geral do Brasil caísse no ranking, mas a percepção positiva externa se manteve mais ou menos na mesma.

Celso: O Brasil é muito grande. As pessoas nem entendem o que está se passando no Brasil e aí, para quem vê de fora, a mudança é pouco significativa. Mas o brasileiro precisa entender que isso vai passar. O Brasil é muito rico e temos muita diversidade. Não estou dizendo que não haja problemas, claro que há. Mas se vê muita coisa boa acontecendo no âmbito social. Por exemplo, a sociedade civil ajudando refugiados e imigrantes e essa é uma atitude positiva e que não se vê em outras partes do mundo: a tolerância que o Brasil mostra.

Tato: Você, que viaja muito e tem contato com muitas pessoas em todo o mundo, acha que apesar das más notícias, ainda há simpatia em relação ao Brasil?

Celso: O Brasil tem coisas estruturais que nenhum governo tira. Ele é o quinto maior país em território, quinto maior país em população, com uma população altamente miscigenada, não estou falando de democracia racial porque não é o caso, mas temos uma população altamente miscigenada com várias origens e as pessoas convivem bem, com pouco preconceito com o que vem de fora. Tem quase 17 mil km de fronteiras, é a terceira maior fronteira do mundo e não tem guerra com os vizinhos há mais de 100 anos.

Isso é estrutural, é parte da definição de Brasil. Não há nenhum outro país no mundo com dez vizinhos que não tenha tido guerra nos últimos cem anos. Os fatores estruturais, a cultura, a música, tudo isso entra na conta da reputação do Brasil. Mas nos círculos que eu frequento, de diplomacia e política externa, há uma grande decepção com o Brasil, sim. Havia uma expectativa grande e as pessoas não entendem como isso aconteceu ao país.

O governo Lula foi muito mais ativo do que o governo Fernando Henrique no protagonismo internacional, mas o governo Fernando Henrique também tinha uma boa reputação. Eu era embaixador e eu vi. Hoje em dia não. Hoje as pessoas perguntam “Where is Brazil?” “¿Adónde está Brasil?” Porque o Brasil não está agindo.

Veja a situação da Venezuela. É uma situação seríssima, que pode desembocar em uma guerra civil na nossa fronteira e o Brasil não tem chance nenhuma de ajudar, é uma coisa inacreditável.

Tatiana: A gente perdeu o protagonismo que estava ganhando, então?

Celso: É, mas nesse caso foi até o contrário. Quando a crise começou na Venezuela, o Brasil tomou partido para ajudar. E hoje o melhor que o Brasil tem a fazer é ficar calado. Porque quando fala, fala bobagem.

Tato: Você acha que o projeto para o país de política internacional e relações exteriores que vocês desenvolveram ainda ecoa e por isso há a pergunta “Where is Brazil?”? Porque também poderia ser natural um sumiço do Brasil.

Celso: Criou-se uma expectativa em relação ao Brasil porque o Brasil tinha o que dizer e tinha liderança, levava consigo votos de outros países. Quando Obama aponta para Lula e diz “você é o cara”, ele estava falando sobre Lula, mas, obviamente, também sobre o Brasil.

Você me pergunta se a gente pode retomar o projeto, eu digo que nunca será igual porque as situações mudam, as coisas mudam. Mas o Brasil tem jeito. O problema seria a gente não ter eleições ou ter uma reforma que aprove o parlamentarismo, regime ao qual eu não me oponho, mas que se fosse instaurado agora seria oportunismo.

Mas, falando em projeto, só para não deixar passar, um grupo de intelectuais se reuniu, liderado pelo professor Bresser Pereira, e fez o manifesto Brasil Nação que é exatamente uma tentativa de mostrar uma visão de Brasil. Porque não adianta apenas você querer mudar, gritar fora A, B ou C, é preciso dizer o que fazer e como fazer melhor.

Tatiana: Que é aquilo que a gente conversou da outra vez: que estamos tentando fazer com o “Reputação Brasil”, mostrar como o país pode melhorar a reputação com a nossa carta de intenções.

Celso: Eu disse a você naquele dia e digo a você outra vez hoje. A gente não vai mudar a reputação se não mudar a realidade e a realidade está muito ruim. Tem uma passagem interessante que aconteceu no pior momento do governo militar. Um diplomata com uma posição importante foi visitar uma missão onde eu trabalhava e falou, para o embaixador com quem eu trabalhava, que estava muito preocupado com a imagem do Brasil. No que ele respondeu: “tá preocupado com a imagem do Brasil? Quer mudar a imagem do Brasil? É simples, é só acabar com a tortura.”

Então, quer melhorar a imagem do Brasil? Acabe com a tortura no Brasil. Faça eleições democráticas, dê legitimidade ao governo. Acabe com a corrupção, mas não simplesmente com essas atitudes justiceiras que o país está vivendo, mas inclusive por meio de uma reforma eleitoral que diminua o custo da eleição, que permita maior representatividade, que acabe com as aglomerações de interesses clientelistas.

Tato: Como foi a construção do projeto que vocês implementaram ao longo daqueles dez anos? Porque você não conhecia o Lula, foi conhecer depois que ele foi eleito. O projeto foi desenhado como?

Celso: Embora eu não conhecesse o Lula, havia afinidades. Eu não conhecia o PT, mas o PT me conhecia. Eu tive somente duas conversas com o Lula antes de ele anunciar a minha escolha e em duas horas a gente não consegue traçar nenhum projeto. A gente falou sobre uma visão global, sobre linhas gerais, como a necessidade de negociar a Alca, a necessidade de se aproximar da África, ter uma política de atuação sul-americana.

Quando o meu nome foi anunciado, eu tinha três minutos para falar e foi aí que eu falei que o Brasil teria uma política externa altiva e ativa, lema que se manteve depois. Eu não quis entrar em detalhes de como seria o projeto, mas falar da postura que o Brasil adotaria, que não se furtaria a tomar iniciativa. Eu já tinha visto no passado que o Brasil às vezes tinha até a posição certa. Mas eram tantos cuidados, tantos temores de não incomodar, que aquilo acabava se perdendo ou se transformando em casos em que a gente se curvava ao que vinha de fora. A gente tinha muitas afinidades e, ainda que não houvesse um projeto definido a priori, as ações foram mostrando que havia um projeto.

Tato: E foi esse projeto que eu analisei no mestrado. Como que esse projeto poderia influenciar as identidades no Brasil.

Celso: Uma das coisas mais bonitas que eu já ouvi sobre este projeto de política externa veio da ministra da igualdade racial, Matilde Ribeiro, anos mais tarde, que falou que a aproximação da África havia sido instrumental no combate ao racismo no Brasil. Quando Chico Buarque fala algo como “eu gosto da política externa brasileira porque nós somos firmes com os fortes e flexíveis com os mais fracos”, isso mexe com a índole e tem a ver com as nossas atitudes diárias. Se você tenta resolver os conflitos externos pacificamente, também deve tentar resolver os conflitos internos pacificamente. Mas eu volto a dizer: enquanto a realidade não mudar, o governo pode gastar fortunas com imagem que não surtirá efeito.

Tatiana: Porque é discurso vazio. Discurso vazio não resolve nada.

Celso: Num dos piores períodos da ditadura militar, eles estavam obcecados com essa questão da imagem do Brasil e pagaram uma visita de um jornalista do Financial Times para o Brasil. Ele veio, viu tudo o que estava acontecendo aqui. E na volta, fez uma matéria para falando sobre o milagre brasileiro. Mas fez também uma matéria para o Observer, a versão de domingo do The Guardian, cujo título era “torturadores brasileiros matam recém-nascido”. Então, pagar pela imagem não tem sentido. Tudo que foi feito por um lado foi por água abaixo por outro. Hoje não há essas coisas de tortura. Mas me preocupa o descrédito na política e nos políticos. Se você lembrar o que aconteceu com Hittler, ele foi crescendo de maneira mais ou menos democrática. Era aquela coisa, a burguesia não gostava dele, mas ele era melhor do que o comunismo: eles tinham medo do comunismo.

Tatiana: É sempre a teoria do medo, né?

Celso: Sim, eles vão crescendo sempre na teoria do medo.

Tatiana: respiração funda.

Celso: Mas não chegaremos neste estágio.

Tatiana: Mas tem muita gente manipulando com a teoria do medo. Muita gente.

Tato: Aqui no Rio vemos muito disso.

Celso: Claro que aqui temos um problema de segurança grave, houve um corte de investimentos em segurança e na polícia. Mas enquanto as pessoas não entenderem que o problema de segurança decorre de problemas sociais, não vai se resolver absolutamente nada.

Tato: A nossa última pergunta é sobre paradiplomacia. Que papel a paradiplomacia poderia ter na construção de reputação do Brasil?

Celso: O que você chama de paradiplomacia?

Tato: Diplomacia não oficial. Diplomacia feita pelas pessoas, pelas empresas, pela sociedade civil em seus contatos, interações e relacionamentos internacionais.

Celso: Acho que no conjunto este impacto é positivo. A rede Rebrip, por exemplo, fez parte de comissões oficiais do Brasil. Isso nunca tinha acontecido antes. (Nota da redação: A Rebrip – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos – acompanha e incide sobre a política externa brasileira desde 2001. Trata-se de um coletivo integrado por entidades sindicais e associações profissionais, movimentos sociais, camponeses, de mulheres, ambientalistas e ONGs autônomas e pluralistas, que busca influenciar as negociações de comércio internacional e os processos de integração regional.) Isso é positivo e algumas ONGs internacionais apoiaram causas nossas, como a Médicos Sem Fronteiras que nos apoiou na quebra de patentes de remédios.

Obviamente, há também um outro lado na paradiplomacia que precisa ser dito. Precisamos estar alertas a quem financia as ações, qual o interesse por trás. Porque, em última instância, quem financia é quem tem o poder e vai dizer quais são os limites.

O Brasil, por exemplo, é um grande defensor de direitos humanos, eu sou um grande defensor de direitos humanos. Mas a gente não ficava escolhendo a priori quem merecia e quem não merecia defesa, como algumas ONGs e países fazem, porque não é assim que se atua. Tem que ser dando condições para que as situações se resolvam. Se fosse assim, ninguém nunca iria colaborar com a Guiné Bissau e a Guiné Bissau nunca melhoraria, nunca sairia da situação em que está. Não dá para esperar a condição perfeita para agir.

Tato: Quando a situação ficar perfeita, não precisa mais de ajuda.

Tatiana: Isso que você falou agora foi uma coisa linda, Celso.

Celso: Hum?

Tatiana: Porque a gente anda em um mundo tão polarizado que estamos perdendo este olhar de que podemos ajudar o outro a sair. A gente está cobrando do outro uma perfeição que ele não tem condições de atingir em vez de ajudar a melhorar.

Celso: A maior parte das organizações que cobram isso tem origem estrangeira e não quer que o Brasil expanda a sua influência. Eu acho que o papel da sociedade civil na questão da mudança do clima foi completamente fundamental. E muitos temas de direitos humanos também. O resultado no longo prazo é positivo, mas não se pode ser ingênuo em achar que tudo o que elas dizem não tem um interesse por trás. Por isso, do mesmo jeito que a gente cobra transparência dos governos, a gente precisa cobrar transparência de todos os atores que estão presentes no cenário internacional.

Tatiana: Você quer acrescentar mais alguma coisa, Celso?

Celso: Só queria dizer que acho muito importante você ter esta preocupação com a reputação do Brasil, que é reflexo do que está ocorrendo. Desde que se tenha consciência de que reputação, e é por isso que eu não gosto da palavra “imagem”, que a reputação é uma decorrência da realidade. Claro que uma boa reputação também ajuda a mudar a realidade. Mas mudar tudo pela reputação parece um sambinha de carnaval dos anos 1950 que dizia para pintar as favelas, para ficar uma miséria colorida.

Tato: Eu acho curioso que eu viajo muito e, em todo lugar que eu vou, quando eu digo que sou do Brasil, as pessoas me recebem de forma positiva. Fui ao Oriente Médio de férias no mês passado, fui à Jordânia e a Israel. Um amigo meu até brincou dizendo para eu levar uma camisa do Brasil, que se desse algum problema, era só tirar a camisa da mochila e mostrar que ninguém faria nada comigo. Isso é uma construção muito bacana.

Tatiana: Porque você é homem. Porque as mulheres quando dizem que são brasileiras no exterior recebem cantadas. “Wow, are you Brazilian? Don’t you know Brazilian women are famous for being this and that?”

Celso: Mas aí é o machismo que ainda há no mundo.

* Tatiana Maia Lins é consultora em Reputação Corporativa, diretora da Makemake e editora da Revista da Reputação.

** Tato Carbonaro é Gestor de Relações Institucionais e Internacionais da Aberje e doutorando no PPGCOM-USP.

*** Sem revisão de texto do entrevistado.