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Reputação e a gestão da percepção da confiabilidade e da confiança

É notável que percepção coletiva de diversos públicos sobre a relevância e a gestão das organizações tem um grande impacto em sua avaliação. Especialmente em tempos de abundância de informações e polarização de opiniões, monitorar a evolução desta percepção é de extrema importância para a redução dos riscos de operação e avaliação do desempenho organizacional. No entanto, a percepção sobre uma organização é formada pela informação acessível a diferentes grupos e a construção coletiva de determinadas verdades sobre a mesma. Uma informação que pode parecer bastante positiva para um determinado grupo, pode ser interpretada como negativa para outro. Aqui temos dois problemas a enfrentar: a assimetria de informações e a qualidade da informação, definidas respectivamente pela acessibilidade e credibilidade do emissor e sua interpretação do fato. Ou seja, pode não importar tanto o fato em si e seus critérios objetivos, mas a interpretação e aceitação que se tem sobre o fato.

A grande maioria das organizações envolvidas na operação Lava Jato gozava, até então, de excelente reputação. Em sua maioria, as empresas possuíam todos os mecanismos formais de governança e gestão. Ainda assim, isso não foi o suficiente para que a sua reputação fosse destruída em muito pouco tempo. Como boa reputação é precondição para bons contratos e negócios, a perda imediata da reputação pode significar o desaparecimento da organização e a destruição de sua marca, ou no mínimo, uma destruição significativa de seu valor para o mercado e sociedade. Isso mostra que o valor econômico é bastante intangível e é bastante afetado pela interpretação dos fatos sobre uma determinada organização. A assimetria de informações pode sugerir interpretações variadas sobre um mesmo dado objetivo, e neste sentido, a construção de um processo de comunicação precisa ser proativo.

No entanto, este processo de comunicação deve estar associado muito mais à gestão do comportamento coletivo, da cultura organizacional, do que tradicionalmente, da mensagem em si. Para a redução dos riscos relacionados à reputação e à imagem da marca, faz-se necessária a adoção de valores e normas compartilhadas por grupos e subgrupos, construídas sobre a moral e o compliance da organização, com foco na transparência sobre a agenda daqueles que possuem maior poder de estrago: a alta liderança executiva.

O desafio que se apresenta é: como podemos reduzir o poder discricionário daqueles que detém o maior poder de destruição da imagem e da reputação da organização? E, posteriormente, qual a punição adequada para aumentar o custo e inibir o comportamento oportunista?

Má gestão e corrupção destroem a reputação e a marca. A boa governança deve se preocupar em criar mecanismos de transparência para inibir, identificar e punir o comportamento oportunista. A qualidade e o aperfeiçoamento destes mecanismos são a única forma de garantir que as organizações protejam o seu maior patrimônio.

Esse processo se dá de duas formas: pelo estabelecimento de regras de transparência e compliance e pela gestão da percepção da confiabilidade e confiança entre os diversos stakeholders e, especialmente, executivos, gestores e empregados.

Aqui, cabe uma distinção entre confiabilidade e confiança. Confiabilidade refere-se à percepção sobre a probabilidade de eventos indesejáveis, que define a predisposição das pessoas em se engajarem numa relação de confiança a uma pessoa ou objeto, assumindo os riscos percebidos. A confiabilidade nos leva a ideia de probabilidade estatística. Por exemplo, pessoas sentem-se seguras ao viajarem de avião porque conseguem inferir, pela informação que possuem, a baixa probabilidade do risco de acidentes aéreos. Já a confiança refere-se a uma ação concreta, assumindo os riscos sobre o comportamento da outra parte, a partir de uma expectativa positiva de reciprocidade. Por exemplo, quando uma pessoa decide confiar em outra, tomando como base a situação específica de contexto e a leitura que faz dos aspectos subjetivos que podem levar a outra pessoa – a quem se confia – a honrar este investimento de confiança.

A adoção de indicadores que avaliem a confiança interna e externa é o caminho para se reduzir a discricionariedade das decisões e monitorar níveis de autonomia que possam representar a redução do risco da ação de um oportunista. Como confiança é o exercício voluntário da liberdade individual sobre o julgamento do comportamento do outro, sua gestão contínua garante que aqueles que estão mais próximos dos fatos que podem representar riscos eminentes, possam informar, de forma sistemática, aos mais distantes, com que critérios e em que condições estão sendo conduzidas as questões mais críticas e sensíveis, reduzindo, assim, a assimetria de informações, trazendo uma leitura menos tendenciosa e mais confiável sobre a versão dos fatos na medida em que ocorrem.

* Marco Tulio Zanini é diretor da ,Symbállein Consultoria, especializada na gestão de intangíveis organizacionais. Professor pesquisador da EBAPE/FGV.