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O Brasil não parece um país sério – mas isso pode ser bom

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva adaptou uma das frases mais conhecidas sobre o Brasil para explicar, em 2008, a conquista inédita do grau de investimento concedida pela agência de classificação de risco Standard and Poor’s ao país. “O Brasil foi declarado um país sério”, disse então Lula, enquanto o Brasil vivia um momento de auge da sua projeção internacional e era visto cada vez mais como um caso de sucesso entre os países emergentes.

A declaração era uma forma de negar a infame frase frequentemente atribuída de forma errada ao ex-presidente francês Charles de Gaulle, segundo a qual “Le Brésil n’est pas un pays sérieux” (o embaixador Carlos Alves de Souza, que atuou representando o Brasil no exterior até os anos 1960, seria o verdadeiro autor da frase). E realmente representava a situação ímpar da reputação do país na época, culminando com a famosa capa da revista The Economist mostrando o Cristo Redentor decolando. Pouco depois, a rede de TV CNN apontava o Brasil como o lugar mais “cool” do mundo, e o então presidente americano Barack Obama declarou que “o futuro chegou” para o país.

Além de ter uma maior visibilidade global e de ter uma economia mais atraente, o retrato exposto internacionalmente seria visto como uma coisa boa para o Brasil, pois mostra que o país consolidava imagens positivas no resto do mundo. A marca de uma nação “descolada” é uma das mais desejadas nas abordagens de reputações de países, um dos veículos através dos quais nações se colocam no mercado internacional.

Mas nem tudo é tão positivo assim, como se pode perceber pela piora da economia e da avaliação do risco de investimentos do Brasil, com a perda de grau de investimento por várias agências internacionais nos últimos anos. Os relatos sobre a tal seriedade do Brasil contemporâneo parecem não ter se consolidado na forma pela qual o país é visto no resto do mundo.

Mesmo sem levar em consideração a perda natural de reputação do país com as crises políticas e econômicas que afetaram o país nos últimos anos, e que pioraram a imagem do Brasil em índices e rankings internacionais, a imagem do Brasil, mesmo quando no auge, sempre esteve muito ligada a estereótipos de diversão, praia, futebol e turismo de aventura. Até enquanto Lula e Obama falavam sobre um possível novo status para o Brasil, o país sempre teve uma reputação de ser “apenas” um lugar de festas, e nunca foi visto no exterior como um país realmente sério.

Esta ideia da imagem de falta de seriedade do Brasil foi confirmada no início de 2020 por um estudo publicado em artigo acadêmico na revista internacional Brasiliana, em que foram analisadas percepções externas sobre o Brasil.

O trabalho “Brazil Is Not (Perceived as) a Serious Country: Exposing Gaps between the External Images and the International Ambitions of the Nation” avaliou a forma como o país é descrito em dez pesquisas internacionais sobre o que se pensa a respeito do Brasil no mundo. O estudo avaliou dados sobre o Brasil no Nation Brands Index, no Country RepTrak, Country Brand Report (e CBR América Latina), no Country Brand Index, na Soft Power Survey, on Soft Power 30, no Best Countries, no Good Country Index, no Personality Atlas e até mesmo um estudo realizado por empresas brasileiras, como o “Brasil aos Olhos do Mundo”.

Essas pesquisas de opinião têm sido realizadas ao longo das últimas décadas por vários institutos e consultorias internacionais. Elas partem do princípio de que a imagem externa dos países é relevante para os negócios internacionais e para a diplomacia. De acordo com esses estudos globais sobre reputação, o mundo retrata o Brasil como um país “decorativo, mas não exatamente útil”, resume o consultor britânico Simon Anholt, criador do NBI.

Em todas essas pesquisas sobre a reputação do Brasil há elementos que mostram uma imagem geralmente positiva, mas os atributos que são bem avaliados são esses mais ligados a lazer. Quando as avaliações olham para características mais sérias do país, como política e economia, a reputação é bem pior. O Brasil é muito atraente para turistas (mesmo que o número de pessoas que viagem ao países seja relativamente pequeno), mas não é tão bem visto na hora de atrair negócios e investimentos. A cada novo levantamento, o perfil que se desenha da imagem do Brasil é o mesmo, o de um país muito bom para viajar, para atividades de lazer, mas não um lugar muito bom em termos de política e economia. Um país pouco sério, em suma.

Isso não é necessariamente um problema, mas é fundamental entender essa imagem para poder desenvolver formas de melhor projetar o Brasil no mundo. Países como a Itália e a Espanha têm reputação parecida em muitos desses índices, com avaliação de que também são pouco sérios e servem mais para o lazer. E eles aproveitam isso para atrair mais turistas e promover no exterior produtos e marcas ligados a esse perfil de diversão, como vinho e gastronomia.

O problema, no caso do Brasil, é ignorar essa reputação internacional e tentar projetar a imagem do Brasil como uma potência global, como se tentou por anos fazer através da diplomacia, quando ele não é visto como sério. (Ou, nota da edição, querer projetar uma imagem de país sério sem promover mudanças estruturais no país que melhorem a percepção de atributos de valor que seus pares tido como “sérios” possuem. A história é repleta de exemplos de países que mudaram a forma como são vistos pelo resto do mundo ao longo do tempo após mudanças de paradigmas.)

A partir da compreensão de como o país é visto pelo resto do mundo, fica mais fácil pensar como aproveitar a imagem do país. “Todo mundo ama o Brasil”, disse o consultor Anholt. O importante parar de apostar em imagens que não são tão boas, aprender a valorizar esse “amor” do resto do mundo e projetar essa reputação de forma a potencializar os atributos que trazem essa imagem positiva, ainda que não seja a de um país sério.

* Daniel Buarque é Pesquisador no doutorado de Relações Internacionais do King’s College London e da USP. Jornalista, é autor de diversos livros, entre eles “Brazil, um país do presente”.