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E se alguém vazar o seu zap zap?

O direito à privacidade não é uma mera conquista recente da burguesia. Ele está na Declaração Universal dos Direitos Humanos e é uma busca do ser humano desde quando Adão e Eva cobriram as suas “vergonhas”. Atualmente, fazemos escolhas diárias sobre o que queremos expor ao mundo pelas redes sociais e o que guardamos sigilo para preservar a reputação. Mas, estamos mesmo seguros?

Acontece mais ou menos assim: a pessoa conversa em um grupo do WhatsApp com conhecidos e se sente segura para fazer piadas ou se expor de uma maneira que não faria abertamente, em público. Tempos depois, há um “ZapLeaks” e algo que foi dito “vaza” sem contexto, fazendo com que a pessoa se veja em maus lençóis, para dizer o mínimo.

Corta a cena e vamos refletir por que isso ocorre e sobre o que aconteceria se as nossas conversas privadas viessem a publico. Haveria algum dano à nossa reputação ou aos nossos relacionamentos?

O que é mais importante: segurança ou privacidade?

A era da celebrização e da espetacularização de pessoas sobre quem nunca se ouviu falar coincide com a intensa preocupação com a segurança, agravada pela eclosão de uma nova era de terrorismo.

Alegadamente em prol do bem comum, pessoas foram e são investigadas de forma agressiva para que se possa evitar uma tragédia. Comunicações, em princípio pessoais e indevassáveis podem ser de interesse da sociedade, se a quebra desse direito for a diferença entre a vida e a morte de inocentes. O Século XXI se apresenta já em suas primeiras décadas como o palco de intensos debates sobre o limite do Estado em monitorar pessoas e o desafio de preservar a privacidade, de uma forma como nunca se viu antes. O advento das redes sociais eletrônicas e tecnologias que surgem a cada dia é a cereja desse bolo.

Exceto em situações imperativas para a sobrevivência ou segurança de um ser humano, não é lícito ou moral ingressar no mundo particular de alguém. É condição maior para a sobrevivência de um mundo civilizado que cada homem ou mulher possa ter a paz de se sentir só, isolado, protegido, fora de cena. A inviolabilidade da casa, do quarto, dos armários, dos arquivos, da imagem e da mente é tão importante quanto a segurança física. A despeito de só ter sido reconhecida como um direito fundamental a partir do século XVII e em princípio mais como uma conquista da burguesia nascente, um privilégio e menos entendida como um direito natural, a privacidade é inestimável e imprescindível.

As novas plataformas vêm mudando a relação da sociedade com a privacidade, com um incomum encorajamento ao exibicionismo, ao voyeurismo permanente e muitas vezes consentido. Creio que derive disso uma falta de cautela e recato nesse novo cenário que pode resultar catastrófica.

Não se engane: não existe mais espaço inviolável

Os avanços tecnológicos representam ameaça cada vez maior à privacidade seja de forma consentida ou não. Em 2016, o antigo “olhar pelo buraco da fechadura” ou “escutar através das paredes” convivem com a possibilidade de termos a casa ou o quarto invadidos por um drone com uma câmera. Podemos ter nossa janela vigiada por um destes aviõezinhos, independente do pavimento de nosso apartamento ou escritório.

Nossos arquivos podem ser raqueados e nossos segredos podem nos ser arrancados pela invasão de nossos espaços. E que espaços são esses hoje? Longe da época em que os limites eram físicos como quatro paredes ou protegidos como os tradicionais diários fechados à chave, hoje nos sentimos em segurança ao conversar com amigos em redes de mensagens instantâneas.

Um grupo de mensagens criado neste tipo de canal é entendido como um espaço privado e inviolável, o que é aos olhos da lei. Em tese, não há diferença entre minha liberdade em conversar com pessoas a quem permito-me confiar particularidades em um grupo fechado de mensagens de fazê-lo fora do mundo virtual, numa sala física em que só meus convidados tenham sido admitidos.

O problema é que esta sensação é mais do que falsa e ao contrário de uma conversa numa sala (que também pode estar sendo monitorada sem que saibamos), o mundo virtual tem um detalhe essencial, nele deixamos registros. Os pensamentos e frases que declinamos ficam congelados, na forma de textos ou áudios de voz, como se alguém tivesse plantado um gravador na sala da casa, disponível a qualquer tempo. Inexplicavelmente, grampeamos a nós mesmos e ainda vivemos uma falsa sensação de invulnerabilidade, de blindagem e pretenso anonimato.

No Facebook, a pessoa reflete ao escrever, revisa o texto (idealmente), volta atrás e apaga. Nos aplicativos de mensagens, Tecla-se ou grava-se como se fala na vida real, sem freios ou cautela. É aí que a coisa sai de controle.

Inconscientemente, as pessoas flertam com o risco de ter suas reputações atingidas, pois mesmo vivendo em um mundo em que o bater de asas de uma borboleta pode ser notícia para agências internacionais e as redes o transformam em trending topic em segundos, a auto censura parece ter se tornado coisa do passado. E assim, fotos, áudios e idéias são compartilhadas sem que haja um mínimo de segurança quanto à preservação da intimidade presumida.

O “send me nudes” seduz mais que a prudência e os riscos não são corretamente avaliados em uma aldeia global complexamente interconectada. Há na web, inclusive, guias que supostamente convencem pessoas que em um primeiro momento se recusam a mandar fotos íntimas a ceder ao pedido. A era da inocência acabou, definitivamente.

Antes do send, pense: e se o que eu estou dizendo vier a público?

Mas se é verdade que não há mais ambientes protegidos e que a sensação de segurança não passa de uma ilusão, como mitigar as possibilidades de se ver envolvido em um escândalo ou iniciar uma crise, já que abrir mão de ferramentas tão úteis nem sempre é possível? Nizan Guanaes, por exemplo, chama o “zap zap” de imprescindível. Não à toa, o aplicativo já está presente em 80% dos celulares brasileiros, conectando pessoas nos mais diversos grupos.

Conforme aumenta o universo de usuários e grupos, presumidamente resguardados, cresce na mesma proporção a possibilidade de que informações pessoais venham a público de maneira clandestina, astuta e ilegal. Com profundos impactos à vida das pessoas envolvidas que podem variar de divórcios a demissões, entre outros infortúnios.

Sendo assim, algumas regras básicas podem ajudar a elevar a segurança na utilização das redes, sejam elas públicas ou de mensagens instantâneas. Primeiro, identifique seu apetite ao risco. Se você não se incomoda em declinar suas opiniões de forma franca e aberta e se dispõe a arcar com as consequências de ser julgado pelo que publica, vá em frente. Mas nunca deixe de fazer este teste: pergunte a si mesmo o que pode acontecer, no pior cenário, se esta frase, foto, vídeo ou áudio vier a público fora de contexto.

Já numa troca de mensagens instantâneas, meu conselho é acreditar que tudo o que você tecla, publica ou grava virá inevitavelmente a público. Pois essa é uma possibilidade iminente. Não registre aquilo que não deseja compartilhar com o resto do mundo, pois tudo o que você colocar em um debate virtual entre amigos pode ser compartilhado intencionalmente por alguém que não o consultará previamente. E por má fé, má intenção, ou mesmo de forma inocente, uma frase fora de lugar ou uma imagem, um meme ou piada pode não refletir quem você é, mas pode determinar como você passará a ser visto.

O cuidado para não se deixar levar pela falsa sensação de liberdade e segurança da rede é a condição primordial para prevenção de dores de cabeça evitáveis, pois a complexidade do mundo em 2016 pode realmente transformar uma conversa inocente entre anônimos numa hashtag. Ou pior, em uma manchete em horário nobre.

Justiça precisa punir o dolo nos vazamentos de conversas

A sociedade conectada precisa entender suas fragilidades e resistir às tentações do julgamento inclemente, da proliferação de inconfidências que podem nos destruir. Aqueles que se aproveitam da ingenuidade das pessoas para atacá-las ou tirar algum proveito precisam ser responsabilizados como quem invade uma residência, arromba um cofre ou destrói um patrimônio. Estas foram metáforas, mas o Judiciário precisa ser maduro e inclemente com o “dolo” nos vazamentos desse mundo novo em que se perde facilmente o controle. Na medida do justo equilíbrio entre um bem maior, como a segurança de uma coletividade, é possível dizer que os recônditos da privacidade pessoal são tão importantes do ponto de vista humano quanto o direito ao livre pensamento e expressão.

Cada pessoa pode escolher entre ser anônimo ou se expor, entre silenciar ou gritar, entre a discrição ou a exuberância. Cabe tão somente a cada pessoa o arbítrio sobre o que ela deseja manter em particular, direito que deve ser exercido em suas atitudes, cautelas e convicções. Mas se me permitem deixar um conselho a todos nós, anônimos ou conhecidos, digo que a prudência é salutar.

Há um provérbio árabe que, em tradução livre, adverte que a única palavra que será realmente sua é aquela que você não falou. Seja prudente.

* Maurício Pontes é Gestor de Crises, Consultor em Gerenciamento de Crises e Professor de Gerenciamento de Crises da Aberje.