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Eike Batista: o que aconteceu ao Mr Transparency?

Eike não foi ainda julgado pela Justiça, mas o ex “sétimo homem mais rico do mundo” já foi condenado pela mídia e pela sociedade na mesma proporção em que foi tido como exemplo nos tempos áureos.

A história de Eike Batista ainda será retratada em um filme, daqueles nada monótonos e cheios de controversas. Personalidade de nuances riquíssimas, Eike foi o maior símbolo “do Brasil que dá certo” e “da derrocada brasileira”.

Bilionário com hábitos de classe média, apetite capaz de devorar vários lanches de fast-food e necessidade de provar o seu valor ao pai famoso que lhe deu um atestado de idiota na juventude. O único membro até então entre as dez maiores fortunas do mundo listadas pela Forbes a ser preso (Pablo Escobar também fez parte da lista, mas não entre os dez mais ricos), nos tempos áureos, Eike foi definido pela ex-presidente Dilma Rousseff como “o nosso padrão, a nossa expectativa e um orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado”.

Nesta época, Eike se intitulava “Mr. Transparency” no Twitter, ferramenta pela qual se apaixonou pela facilidade de falar diretamente com as pessoas, sem intermediários. Sem esconder de ninguém o desejo de se tornar o homem mais rico do mundo, quando chegou à sétima posição entre as maiores fortunas, Eike investiu em comunicação para se tornar conhecido como empresário e não mais apenas como o ex-marido de Luma de Oliveira e o filho de Eliezer Batista. A comunicação deu certo, apesar de ele nunca ter sido unanimidade – sempre houve o time que adorava Eike e o que desconfiava dele, a quem o empresário chamava de “invejosos”.

Gostássemos ou não de Eike, ele tinha uma metodologia própria para fazer negócios, que contemplava todas as dimensões dos negócios em 360º. Seus projetos prometiam resolver problemas antigos de infraestrutura do país, como os gargalos logísticos. Suas empresas estavam interligadas, em sinergia. Havia financiamento para os projetos. E um discurso pautado em meritocracia, respeito ao meio ambiente, práticas sustentáveis, eficiência, governança e transparência. Eike dizia que o brasileiro precisava abandonar o complexo de vira-lata, dizia que éramos capazes de realizar grandes feitos. E isso era tudo o que muita gente gostaria de ouvir e também o que justificava a esperança de que nos tornaríamos, finalmente, um grande país.

A exposição que fez de Eike símbolo de sucesso aumentou a expectativa de todos em torno dele. Quando as suas empresas entraram em fase operacional e não entregaram o resultado esperado, a sua imagem começou a ruir. Mas com as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro surgiu uma avalanche midiática negativa de mesma proporção à sua prévia exposição positiva.

“COM DISCURSO QUE PREGAVA TRANSPARÊNCIA, EFICIÊNCIA, GOVERNANÇA, MERITOCRACIA E RESPEITO AO MEIO AMBIENTE, EIKE DIZIA SER O SEU PRÓPRIO JORNAL NO TWITTER E SE CHAMAVA DE MR TRANSPARENCY.”

A prisão preventiva de Eike foi notícia em todos os principais jornais do mundo, com mais destaque do que a prisão de Sérgio Cabral ou a de Eduardo Cunha.

Dualismo marca as narrativas sobre Eike Batista

A jornalista Malu Gaspar escreveu um livro sobre Eike Batista e a história do Grupo X em que conta detalhes sobre falhas nos seus grandes projetos e sobre a relação de Eike e seus executivos com o governo e o financiamento público. No livro, Malu conta também detalhes de como as regras de governança teriam sido burladas, resultando em prejuízos financeiros e de imagem para todo o país.

Com o título “Eike Batista: Tudo ou Nada”, o livro, lançado no final de 2014, relata o dualismo na trajetória do empresário. De sétima maior fortuna do mundo em 2012 a preso em cela comum em Bangu, no Rio de Janeiro, em 2017, não há como escapar da comparação com uma montanha russa. O dualismo foi fortemente explorado pelas pessoas nas redes sociais e pelas matérias que noticiaram a prisão preventiva de Eike. Raras exceções foram vistas, como no artigo “Eike Batista, nem santo nem diabo”, escrito pela colunista Ruth de Aquino e publicado pela revista Época. Nele, a autora destaca os feitos positivos de Eike e características vistas por quem convivia de perto com ele como a generosidade e o fato de ele ter sido o único empresário a honrar um acordo.

O poder da caneta eletrônica de Eike

Eike Batista chamava o Twitter de sua caneta eletrônica. Na fase em que usou a ferramenta de modo mais intenso, entre 2010 e 2011, tuitava freneticamente madrugadas adentro. Ele conversava com as pessoas sobre os assuntos mais triviais, como a beleza das borboletas, e sobre o que ele mais gostava: empreendedorismo.

O período de exposição positiva e suas realizações criaram um lastro reputacional para Eike que resultou em um movimento nas redes sociais, sobretudo no Twitter, em sua defesa após a queda da OGX. Foram tantas as mensagens que ex funcionários do Grupo EBX se juntaram e criaram o site “Eike Tudo pelo Brasil”, reunindo os depoimentos postados com a #EikeTudoPeloBrasil.

Um advogado tuiteiro assinou um pedido de Habeas Corpus para o empresário sem nunca tê-lo conhecido. Na justificativa, disse que a prisão preventiva não se aplicava, pois Eike não oferecia risco e colaborava com as investigações. O pedido foi negado.

Eike pode pegar até quinze anos de prisão se for condenado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Mas fugindo da visão dualista, teria Eike inventado a corrupção no Brasil? Ou este era o caminho mais corriqueiro de se fazer grandes negócios no país? Sendo este o modelo de negócios no Brasil, é sustentável? Sendo este o modelo mais corriqueiro, seria o único caminho e o adotado por todos? A corrupção brasileira já existia antes de Eike nascer. Por outro lado, sempre houve empresários que preferiram resultados mais modestos à corrupção. O modelo de negócios “toma lá dá cá” não mais se sustenta e esta deve ser a maior discussão do país. Tampouco se sustenta o modelo de negócios baseado em belos discursos e entregas insatisfatórias. As empresas precisam cumprir o que prometem, os discursos precisam ser coerentes com as suas práticas. Eficiência, meritocracia e boa governança precisam ser parte da cultura e não apenas palavras usadas como em uma receita de bolo para impressionar.

“Estou me entregando para passar o Brasil a limpo”

Ao retornar de Nova York, onde estava quando foi anunciado o decreto de sua prisão preventiva, Eike Batista deu entrevista para TV e tirou fotos com pessoas no aeroporto. Aparentando serenidade e resignação, não se escondeu das câmeras e disse que estaria voltando para colaborar com a Justiça e passar o Brasil a limpo.

Em 2010, em um encontro no restaurante Mr Lam com jovens tuiteiros do qual participei, Eike, no papel de Mr. Transparency, contou do dia em que foi à Polícia Federal de surpresa porque soube que estava sendo investigado. Em suas palavras, ele teria ido à PF mesmo sem ter sido formalmente convocado e teria se deixado à disposição para prestar qualquer esclarecimento. “Nenhum homem no Brasil é mais auditado do que eu”, dizia Eike.

Em maio de 2016, Eike repetiu o procedimento, apresentando-se espontaneamente à Polícia Federal para prestar esclarecimentos para a Operação Lava-Jato. Após a prisão preventiva, Eike ainda não fez delações e, segundo a mídia, permaneceu em silêncio quando convocado a depor, optando por falar apenas em juízo.

Não sabemos o que ele falará nem quando será o julgamento. Tampouco podemos avaliar se depois desse processo ele terá algum rescaldo de reputação que permita tocar os seus projetos. Mas, se ele tem a oportunidade de “passar o Brasil a limpo”, seria bom que assim o fizesse, para que tenhamos a possibilidade de estabelecer novos paradigmas.

A prisão de Eike foi notícia em todos os jornais de grande circulação do mundo. É cedo para afirmar qual foi o impacto do furacão Eike para a economia brasileira. Qual o impacto para a imagem do empresário brasileiro?

Quando o conheci, meu desejo era saber mais sobre a Visão 360º, o método que se seguido qualquer projeto iria para frente. Eike realmente elencou tudo o que era necessário para fazer um projeto sério. A queda do seu império, contudo, prova que nenhum modelo é infalível.

* Tatiana Maia Lins é consultora em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.