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Entrevista: Alexandre Almeida e a crise no achocolatado Itambezinho

No dia 25 de agosto, uma criança de dois anos morreu no Mato Grosso após tomar um achocolatado que estava envenenado. Até que as circunstâncias da tragédia fossem esclarecidas, as vendas do produto foram proibidas e a empresa passou por um turbilhão de questionamentos. Porém, o que poderia ser uma mancha na reputação da Itambé foi uma aula de como responder a crises.

No dia 25 de agosto de 2016, Rhayron Christian da Silva Santos, de dois anos, morreu após beber um achocolatado que estava envenenado. A criança ainda foi levada ao hospital com vida, mas não resistiu. A morte de um consumidor por envenenamento é o maior pesadelo para uma marca de alimentos. Sendo o consumidor uma criança, a comoção é ainda maior. Como era de se esperar, assim que o caso veio a público, a Anvisa suspendeu cautelarmente a venda dos achocolatados de mesmos lote e data de fabricação do que foi encontrado na casa da vítima.

Dias depois, a polícia declarou que o produto havia sido envenenado, propositadamente, por Adônis José Negri, de 61 anos. Ele queria se vingar de Deuel de Rezende Soares, de 27 anos, que furtava comércios e casas na região. Só que a bebida não foi consumida por Deuel. Após o furto, ele vendeu o achocolatado à mãe da criança, sua vizinha. A dose do veneno teria sido pensada para “dar um susto” em um adulto. Mas para uma criança, a dose foi fatal.

Diante desta tragédia, a Itambé, fabricante do achocolatado, se solidarizou com a família da criança e realizou testes que comprovavam que a bebida estava em perfeitas condições para o consumo. Em todas as suas comunicações, a empresa agiu com transparência, rapidez e elegância, dando uma verdadeira aula prática de gerenciamento de crises, finalizada com um vídeo-depoimento de seu presidente esclarecendo a situação e agradecendo a seus colaboradores.

A Revista da Reputação conversou com o presidente da Itambé, Alexandre Almeida, para saber os bastidores de como a empresa recebeu a notícia e o que foi feito internamente para que a reputação da Itambé não fosse prejudicada. Veja a seguir.

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Tatiana Maia Lins: Alexandre, como vocês receberam a notícia de que uma criança de dois anos havia morrido supostamente após ingerir um achocolatado Itambé??
Alexandre Almeida: Eu estava em uma reunião em São Paulo e recebi duas ligações quase simultâneas. A primeira foi de um gerente da JBS Foods no Centro Oeste e na sequência atendi nosso diretor jurídico, que já estava na reunião do Comitê de Gestão de Crise, me informando da situação. O Comitê foi ativado assim que tiveram a notícia por meio de contato telefônico de representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Havia um planejamento sobre como lidar com situações de crise desta natureza? Vocês já haviam feito algum tipo de treinamento para caso acontecesse esta situação?

Sim, já tínhamos definido no passado quem faria parte do Comitê, no caso de uma emergência, com representantes de todas as áreas relevantes para a situação: comercial, marketing, industrial, logística, recursos humanos, SAC, jurídico e relações institucionais. Além disso, já havíamos passado por treinamentos de interação com a imprensa, e definidos os porta-vozes que estavam autorizados a falar pela empresa diretamente com a imprensa.

Você já tinha vivido alguma situação semelhante em sua vida profissional? Quem ficou responsável por dar informações da empresa para as autoridades?

Nunca tinha passado por nada similar envolvendo consumidores. Os departamentos Jurídico e de Relações Institucionais foram os responsáveis pelo contato com as autoridades.

Quais foram os momentos mais delicados desta crise e quais foram as respostas da empresa nestas situações?

Certamente o momento mais delicado foi quando recebemos a notícia. O fato era que uma criança havia falecido supostamente após tomar o achocolatado da marca. E, embora tivéssemos absoluta certeza da qualidade do produto, não poderíamos dizer nada até que testes que pudessem comprovar fossem feitos. Por isso, começamos imediatamente a repetir os testes internamente nas contraprovas do lote de produção, encomendar os testes em laboratórios externos certificados e enviar com urgência as amostras para os laboratórios da rede oficial do MAPA.

Um segundo momento foi na segunda-feira seguinte, quando verificamos que os boatos sobre outros falecimentos, em outros locais, estes totalmente inverídicos, estavam se proliferando rapidamente. E que a cobertura do fato também atingia todos os veículos de imprensa, sem que houvesse ainda qualquer informação oficial dos testes ou desmentidos sobre outras ocorrências, o que aumentava o risco de prejuízo maior a empresa.

Vocês receberam muitos questionamentos da população? Quais canais foram usados para esclarecer dúvidas?

Na segunda e terça, dias 29 e 30/08, nosso Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) recebeu o dobro de ligações de dias normais. A maioria de consumidores querendo apenas entender o que havia ocorrido. Dobramos o número de atendentes e procuramos apoiar os profissionais da área, bem como disponibilizar todas as informações que já tínhamos para que estivessem preparados para as perguntas.

Nossa assessoria de imprensa, a In Press Porter Novelli, desde o primeiro dia, atendeu a todos os veículos de comunicação que nos procuraram, inclusive no fim de semana. Nas redes sociais, a Founders, empresa de marketing digital que está conosco há muito tempo, montou um esquema especial para respondermos a todos que buscaram informações durante a crise. A partir do dia 30/08, decidimos divulgar proativamente, em todos os canais de comunicação digital da empresa, comunicados regulares sobre a situação.

Este evento confirmou o quanto a marca ITAMBÉ é querida por aqueles que a conhecem e consomem, por isso, recebemos muito mais mensagens de apoio do que questionamentos.

Durante o período de investigações houve queda nas vendas de achocolatado?

Sim, por medida cautelar o produto foi bloqueado para venda no período de interdição do lote sob suspeita. Entre os dias 26/08 e 02/09 a empresa não pode atender 941 pedidos de todo o Brasil, que representam um total de 27 toneladas. Hoje a situação já se normalizou.

Que medidas a Itambé tomou para que a divulgação sobre o desfecho do caso alcançasse a mesma proporção de pessoas alcançadas pela notícia da morte da criança?

Durante todo o período da investigação nos preocupamos em atender todos que nos procuraram para sanar quaisquer duvidas, seja pela imprensa, redes sociais ou SAC. Após o desfecho do caso, divulgamos um comunicado final nas páginas da empresa nas redes sociais, bem como postamos um vídeo para esclarecer todo o caso. Até o momento foram mais de mil matérias publicadas sobre o assunto. Outros dados mostram o impacto nas redes sociais:

Durante os dias de publicação dos comunicados oficiais da Itambé, houve um aumento de 4181% do alcance da marca em comparação à semana anterior. Isso representa quase 25 milhões de pessoas impactadas com os conteúdos publicados. Só o comunicado final publicado na fanpage da Itambé registrou quase 42 mil compartilhamentos, totalizando mais de 8 milhões de pessoas impactadas. O vídeo com o posicionamento já totaliza mais de dois milhões de visualizações desde a sexta-feira, quando foi publicado, considerando todos os canais.

Uma crise envolvendo morte e problemas de saúde pode ter grande impacto negativo na reputação de uma empresa, mesmo que ela não seja a responsável pelo acontecido. Qual conselho você daria a um gestor que porventura passe por situação similar?

O meu principal conselho para os gestores que venham a passar por uma situação como essa é: não seja pego de surpresa por uma crise. Tenha claro na sua cabeça que, mesmo que a empresa tome todos os cuidados e o processo de qualidade seja rigoroso, ninguém está livre de ser envolvido em uma situação sem ter culpa. Por isso, tenha sempre pronto o seu planejamento de crise, o comitê treinado e definição clara de papeis. Durante a crise, mantenha transparência absoluta, para reforçar a credibilidade de sua empresa e marca. E fundamentalmente, construa um patrimônio considerável de confiança com seus clientes, consumidores e sociedade todos os dias da vida da empresa. Isto não dá para fazer durante a crise.

* Tatiana Maia Lins é Consultora em Reputação Corporativa, Diretora da Makemake Comunicação e Editora da Revista da Reputação.