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Entrevista: Paulo Henrique Soares e o desafio de ressignificar a mineração

O que vem à sua cabeça quando alguém fala sobre a mineração? Você lembra do rompimento da barragem de Mariana e dos garimpeiros de Serra Pelada? Ou você consegue lembrar que os minérios estão presentes em toda parte, nos objetos cotidianos, na medicina, na tecnologia etc? Para quem não trabalha diretamente com a mineração, a primeira associação é a mais rápida. As razões para isso são diversas. Desde a massificação na mídia de notícias negativas sobre o setor da mineração, à postura low profile que as mineradoras em geral adotam, passando pela realidade dos fatos que, sim, incluem acidentes de grandes proporções e um passado de exploração sem cuidado com a segurança. Mas se é verdade que a mineração carrega estes fantasmas, é também verdade que somos completamente dependentes dos minérios, presentes em todas as indústrias, e que a mineração de hoje tem normas rígidas de segurança.

Neste contexto, conversei com Paulo Henrique Soares, que após 21 anos trabalhando com mineração, deixou no final do ano passado a Diretoria de Comunicação da Vale para ser Diretor de Comunicação no Instituto Brasileiro de Mineração – Ibram. Paulo Henrique, único representante brasileiro e da América Latina na Influence 100 da Holmes Report 2016, uma compilação anual dos comunicadores mais influentes do mundo, tem um desafio gigante à sua altura no Ibram: o de ressignificar a mineração. Ele aposta no diálogo para alcançar a meta. E eu acredito que sem diálogo não há a mínima chance de vencer qualquer guerra de narrativas.

Paulo Henrique Soares assume a Diretoria de Comunicação do Ibram com o desafio de ressignificar a mineração.

Tatiana Maia Lins: Paulo, a mineração é responsável por cerca de 5% do PIB brasileiro, tendo em um passado não distante representado mais de 8% do nosso PIB. Qual o papel do Ibram?

Paulo Henrique Soares: A influência da produção mineral no PIB é variável e depende de uma série de circunstâncias. É uma indústria que precisa ser estimulada, afinal, fornece as matérias-primas para todas as demais indústrias produzirem os bens de consumo que a sociedade tanto precisa. Tudo começa na mineração. O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) é a entidade nacional representativa de empresas e instituições que atuam na indústria da mineração. É uma associação privada, sem fins lucrativos, que tem por objetivo congregar, representar, promover e divulgar a indústria mineral brasileira, contribuindo para a sua competitividade nacional e internacional. Além disso, o Instituto visa também fomentar o desenvolvimento sustentável e o uso das melhores práticas de segurança e saúde ocupacional na mineração, estimulando os estudos, a pesquisa, o desenvolvimento, a inovação e o uso das mais modernas tecnologias disponíveis.

A grande maioria das pessoas associa a mineração apenas à exploração do meio ambiente. A ainda recente tragédia em Mariana reforça este estereótipo. Por que você acha que isso acontece?

Essa associação geralmente é feita por aqueles que desconhecem o setor. A mineração é uma atividade produtiva que gera impactos, como todas as demais. O que se discute é seu impacto no meio ambiente. A atividade e os efeitos da mineração são muitos visíveis, então, uma pessoa leiga, ao olhar para uma mina pode ter uma impressão equivocada. Porém, o que muitas pessoas não sabem é que as mineradoras geralmente utilizam, para sua produção, apenas cerca de 5% de toda a área concedida pelo direito minerário. O restante é destinado a outros usos, inclusive conservação ambiental. As empresas mineradoras devem sempre estar atentas a estas questões.

Este comportamento reducionista em relação à mineração é exclusivo dos brasileiros? Ou é algo que se repete em outros países e contextos?

Não é exclusiva dos brasileiros. Em muitos países a sociedade tem uma visão crítica desta atividade, mas em alguns lugares a mineração é melhor compreendida como é o caso da Austrália, Canadá e Chile. Cabe ao setor, responsável pelo processo de desenvolvimento e melhoria de qualidade de vida das pessoas, aprimorar a comunicação sobre todos os processos produtivos e suas reais contribuições à sociedade e ao planeta.

É possível que a sociedade e os demais stakeholders da mineração venham a ter uma imagem mais diversificada e positiva da mineração no futuro?

Há muitos anos a indústria da mineração, por meio do IBRAM e outras entidades e as próprias empresas do setor, já vêm atuando para que a sociedade tenha acesso ao conjunto de informações que mostrem a realidade da mineração e de sua contribuição para a sociedade. A preocupação é que todos compreendam a ‘mineração do presente’ para apoiar a ‘mineração do futuro’, cada vez mais sustentável e impulsionadora do desenvolvimento e do crescimento nacional. Estamos sempre preocupados em disseminar aos cidadãos a importância do resultado gerado pela indústria mineral para os ganhos na qualidade de vida da população. E isto nem sempre é fácil: as pessoas querem os produtos para consumir, mas também precisam saber como eles foram criados. E praticamente tudo que consumimos tem origem ou alguma participação dos minérios. Quanto objetos não existiriam não fosse a atividade minerária, como aparelhos eletrônicos, óculos, tesouras, elevadores, vigas de prédios etc. Algumas pessoas carregam dentro si inovações médicas que só se concretizam porque a mineração existe, como marcapassos e próteses. Fato é: sem a atividade mineradora, a vida moderna simplesmente não seria possível.

Quais são as principais barreiras que a mineração precisa superar para ser vista de maneira mais positiva?

Uma é aprimorar constantemente o processo de comunicação. É fundamental que todos entendam como ocorrem os processos produtivos, para qualificar o debate sobre a atividade. É necessário melhorar esse diálogo e mostrar a todos a importância da mineração para a vida de todos. Temos que ampliar o diálogo entre sociedade e as empresas mineradoras. Além de assegurar minérios, que são as matérias-primas para todas as indústrias de transformação, o setor mineral gera empregos na cadeia porque estimula a produção industrial; contribui para a estabilidade econômica; gera divisas para o País com a exportação dos excedentes; promove o desenvolvimento territorial, e, por isso, leva qualidade de vida aos municípios. Municípios mineradores brasileiros apresentam IDH superior aos demais do estado onde estão localizados.

Quais foram as lições que o setor como um todo aprendeu a partir do rompimento da barragem da Samarco?

Do ponto de vista de comunicação e relacionamento, precisamos ampliar o nosso trabalho, urgentemente.

Há razão para as pessoas temerem novas tragédias causadas pela mineração com grande impacto social e ambiental?

Todas as vezes que ocorrem intervenções humanas na natureza, sabemos que há sempre algum risco em qualquer atividade produtiva. Mas, estamos permanentemente atentos para coibir estas possibilidades. Além de garantir uma produção racional e sustentável, nos preocupa, de maneira substantiva, a vida dos trabalhadores da mineração e familiares, bem como das comunidades próximas às atividades minerais.

Quando as empresas mineradoras falam em sustentabilidade, a que elas estão se referindo?

Qualquer atividade só consegue dizer que é sustentável se houver uma interação entre todas as partes interessadas no processo. Sem isto, não é possível chama-la de sustentável. O fortalecimento da prestação de contas e da transparência pode melhorar o entendimento de todas as partes sobre as contribuições da indústria de mineração ao desenvolvimento regional e do país.

E o que é reputação para a mineração?

A indústria da mineração tem uma característica que a difere de outras atividades industriais: ela não pode se instalar de acordo com um desejo ou uma necessidade, pois ela só pode acontecer onde o depósito mineral está situado. Existe uma rigidez locacional. E é nessa região que a empresa mineradora precisa desenvolver relacionamentos sólidos com a comunidade local, poder público, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, imprensa, entre outros.Reputação é apurada de acordo com a capacidade de entrega de expectativas geradas num relacionamento com vários públicos durante um período. Construir uma reputação demanda tempo, mas destruí-la basta alguns erros e a quebra das expectativas geradas. É preciso, continuamente, lembrar a todos os públicos a importância da atividade mineradora, as evoluções no modo em como é feita e em como ela é essencial para nossa vida. Nosso desafio é ressignificar a atividade da mineração, apresentando seus impactos na economia e na região onde ela ocorre e seu papel para o desenvolvimento das comunidades, além de falar de segurança e inovações. É só há uma forma de realizar a ressignificação da mineração: muito diálogo.

* Tatiana Maia Lins é Consultora em Comunicação com foco em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.