Vetor esquerda
Vetor direita

Entrevista: Prof Stanley Deetz “Estamos limitando soluções criativas”

Segundo o professor Stanley Deetz, pessoas e decisões podem ser reinventadas com base em arranjos produtivos que levem em consideração igualdade e reciprocidade entre as partes, aproveitando as diferenças e oportunidades

A página na Wikipedia sobre o professor Stanley A. Deetz é robusta, daquelas que precisamos mover

o cursor para baixo várias vezes até terminarmos de ler tudo. Não à toa. Ele foi um dos fundadores do

Center for the Study of Conflict, Collaboration and Creative Governance, e, também, diretor por muito tempo

do Peace and Conflict Studies Program da Universidade do Colorado. O fato de ser autor de doze livros e 140

artigos acadêmicos, assim como de ser mencionado em tantas e tantas linhas na Wikipédia podem dar a ideia de estrela. Mas a figura simpática, um tanto tímida, esbelta e sorridente que conversou com alguns sortudos, sentados em círculo, durante um encontro num fim de tarde de maio no Rio de Janeiro afasta qualquer estrelismo.

Eu fui uma dessas sortudas que estiveram na Unirio no dia 12 de maio. E, após a conversa, enviei para ele algumas perguntas para que pudéssemos aumentar o alcance do que foi debatido com outras pessoas que não puderam estar presentes. As reflexões trazidas pelo professor Deetz são profundas. Ele questiona o modelo de democracia mostrando que nem sempre somos capazes de dialogar e encontrar soluções em conjunto. Porém, ele também é otimista e acha que o Brasil está a frente de vários países neste processo.

Pegue um café, aconchegue-se em um assento confortável, e reflita junto com ele.

Professor, o que significa “Democracia Generativa”?
Stanley Deetz: Democracia Generativa é um conceito

que orienta o desenvolvimento de processos de interação humana que incluam diferenças significativas na sociedade e visam a invenção de decisões criativas dentro do processo de interação. A maioria das formas de prática democrática visam a oportunidade de expressão de identidades e pensamentos preexistentes, ao invés de se concentrar no processo de invenção da decisão e, portanto, não geram respostas criativas necessárias para os complexos problemas e para as oportunidades que nos cercam.

A democracia generativa demonstra que as pessoas

passam a interagir com as construções socialmente

produzidas de identidade, conhecimento, posições, etc.

Construções que se formaram sob relações de poder

que não eram democráticas, ou seja, são sistematicamente distorcidas, possuindo restrições e relações estruturais e sistêmicas do passado. Estes entendimentos são inconscientemente consentidos em vez de livremente formados ou escolhidos pelas pessoas e muitas vezes não são discutíveis. Portanto, as interações produtivas devem usar as diferenças e as possibilidades humanas para contestar essas construções e reabri-las para uma formação em condições reais de igualdade e reciprocidade.

Ao fazê-lo, as pessoas e as decisões são reinventadas. Das interações generativas resultam: 1) maior liberdade humana e invenções pessoais à luz das novas circunstâncias sociais e ambientais, e 2) decisões

criativas e sustentáveis que promovem o compromisso decisório e a conformidade e são altamente personalizadas para as condições locais e as relações específicas de interdependência.

Temos visto empresas e marcas em um movimento para uma comunicação mais aberta e dialógica, em vez dos tradicionais monólogos corporativos. Qual a sua opinião sobre isso?

Isso pode ser de valor considerável para empresas e outras organizações, bem como para o bem-estar geral.

Quanto antes as empresas conseguirem inserir os valores sociais na cadeia de decisão, maior será a melhoria na qualidade do produto e do serviço, a eficiência e o desempenho econômico da organização, os benefícios econômicos e sociais para as partes interessadas e o desenvolvimento contínuo da confiança social e a capacidade de tomar decisões juntos. Por outro lado, esses programas são muitas vezes muito atrasados e destinam-se apenas à conquistar mais clientes , boa vontade e aumentar os sentimentos positivos sobre a empresa. A longo prazo, isso pode levar ao descrédito e à redução do desempenho organizacional. Tudo depende do motivo por trás e do design desses processos.

Você disse em um artigo que “historicamente, a maioria dos aspectos importantes de uma experiência humana foram baseados em eventos que os indivíduos realmente viram ou dos relatórios de uma pessoa que

eles sabiam quem realmente viu o evento ocorrer. Hoje, a maioria das coisas que as pessoas respondem na vida não são diretamente experimentadas. Em vez disso, muitas de nossas experiências são um resultado


de produções fabricadas, promovidas e inevitavelmente parciais e inclinadas. “Como você vê a mídia nesse contexto?

A “mídia” é um conceito complexo no contexto contemporâneo. Inclui fontes de notícias tradicionais e publicidade e promoção explícita e uma ampla variedade de meios de comunicação social. Como eu desenvolvi alguns anos atrás, seguindo muitos outros, as separações tradicionais entre notícias, entretenimento e propaganda foram muito atenuadas, o que dificulta o pensamento crítico. O efeito geral dessa quebra de barreiras tem sido a apresentação da promoção de produtos específicos, um modo de vida desenvolvido onde o produto é sentido como necessário. Com o que eu chamo de colonização do mundo interior, as pessoas assumiram como se fossem próprios os valores, as identidades, a narrativa e o conhecimento patrocinado pelas empresas.

Mais profundo do que isso, a palavra mídia tem a mesma raiz da palavra mediação, é o que está entre mim e o mundo, são minhas lentes, minha maneira de prestar atenção, participando do mundo. Quando a mediação é patrocinada, todos nós recebemos os mesmos óculos, o que nos permite ver claramente o que os outros querem que vejamos.

No Brasil, estamos passando por um forte conflito político, cheio de dualismo e de falta de compreensão profunda dos impactos para a população. O que poderia ser feito em termos de comunicação para que as pessoas conversassem sobre essas questões de forma mais produtiva para poder tomar melhores decisões?

O Brasil certamente não está sozinho a esse respeito. Poucas nações escapam disso. Patrocínio de mídia e

múltiplos canais disponíveis significam que mais e mais populações diferentes vivem em mundos verdadeiramente diferentes com informações e entendimentos diferentes.

O Brasil desenvolveu formas muito bem-sucedidas de deliberação pública, orçamentos participativos

e diálogo com as partes interessadas que foram especificamente projetados para conversas mais produtivas.

O mesmo acontece com os EUA. Se você se voltar para o site de uma organização como a National Coalition

for Dialogue and Deliberation (NCDD.org), você pode encontrar milhares de grupos e processos que foram

utilizados com sucesso. Mas, tanto em ambos os países quanto na maioria dos outros, o uso de tais processos carece de apoio suficiente e, portanto, não foi ampliado de forma a enfrentar o desafio. A questão é quem apoiará a democracia e um público capaz ativado, em vez de apenas patrocinar sua própria agenda?

Qual seria o seu conselho para aqueles que precisam lidar com questões de gerenciamento de reputação nestes momentos em que o medo e as conspirações são fáceis de espalhar?

Como a maioria conhece bem, a construção a longo prazo das redes sociais e a confiança através de contato contínuo, transparência e honestidade e conexões pessoais antes dos eventos críticos são as ações mais importantes a fazer. Respostas autênticas e “humanas” são capazes de seguir um longo caminho. A maneira como o medo é desencadeado e muda a forma como as pessoas normais reagem é o elemento central. Compreender como o medo é “articulado” com os eventos dá uma oportunidade para o que eu chamo de “desarticulação”.

Isso exige que as organizações tenham um bom mapa analítico de construções comunitárias, como as seis arenas que proponho, para que possam entender como os eventos podem ser emoldurados por outros para criar medo. Sem isso, elas ficam sem saber de que o medo é especificamente. A maioria não sabe bem como a ameaça percebida ocorre e, portanto, não pode intervir em sua produção.

* Tatiana Maia Lins é consultora em comunicação com foco em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.