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Entrevista: Renato Santos fala sobre como evitar fraudes e corrupção

Neste momento de tantas incertezas no Brasil, em que a corrupção não sai do noticiário, a Revista da Reputação entrevistou Renato Almeida dos Santos, sócio da S2 Consultoria – empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude e de assédio, levando em conta o comportamento humano e seus desdobramentos nas organizações, em busca de respostas sobre como evitar comportamentos antiéticos.

Renato, além de autor do livro “Compliance Mitigando Fraudes Corporativas”, é Mestre e Doutor em Administração pela PUC-SP. Coordenador do MBA em Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócio. Formado em Direito e com MBA em Gestão de Pessoas, ele traz um olhar esperançoso, mostrando que há caminhos para evitar novos escândalos, apesar de admitir que a corrupção faz parte do comportamento humano e, portanto, não é possível erradicá-la.

Renato Santos, Sócio da S2 Consultoria.

Tatiana Maia Lins: A capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão em situações adversas como choque e estresse é a definição de Resiliência, que foi trazida para a administração da engenharia – originalmente a capacidade de os materiais voltarem ao estado natural após alguma pressão. Como as empresas podem avaliar a resiliência de seus funcionários ou candidatos a funcionários?

Renato Santos: As empresas podem avaliar a resiliência dos seus profissionais com o objetivo de desenvolver e aperfeiçoar o comportamento por meio de simulações de situações de processos do cotidiano das organizações em enfrentamento de dilemas éticos. Essa ferramenta se mostra eficaz na absorção de conteúdos passados e na análise aprofundada dos resultados de suas escolhas.

É possível desenvolver resiliência, treinando as pessoas para que saiam de situações adversas mais rapidamente? Como isso acontece?

O desenvolvimento da resiliência do profissional é possível e necessário quando o intuito é mensurar o quanto o indivíduo consegue se recuperar em meio às adversidades e provações em que pode ser exposto nas organizações quando se deparar em dilemas éticos. Isso permite avaliar a rapidez com que a pessoa se recupera de uma possível tentação em cometer uma fraude ou assédio, caso essa situação seja relevante para ela a ponto de tornar-se um dilema. Quanto mais rápida é a recuperação, mais resiliente a pessoa é para manter sua integridade.

A ferramenta PIR – Potencial de Integridade Resiliente – é um teste de integridade que mede o nível de resiliência do profissional quando exposto a dilemas éticos por meio de coleta de dados por meio de seis instrumentos, objetivando triangulação dos dados, mitigando, assim, a subjetividade de análise. Nela há uma aplicação de questionário, que promove a reflexão de temas éticos; a análise das expressões faciais, que é uma forma, dentre outras, que a neurociência desenvolveu para se observar o comportamento; uma pesquisa documental, que analisa documentos originados de órgãos e instituições ou pelo próprio participante e entrevistas comportamentais, com perguntas específicas para esclarecer a conduta ou premissas do entrevistado.

Como a capacidade de resistir a situações antiéticas pode ser reconhecida e premiada nas empresas? Por que agir de forma ética é ainda tão difícil?

A pressão nas organizações pode influenciar de tal maneira a decisão do indivíduo entre fazer o que julga ser o certo e o que melhor lhe apraz em uma determinada situação que pode gerar na mais comum das pessoas honestas um comportamento criminoso. Independentemente da personalidade ou caráter do indivíduo, são as circunstâncias que permitirão ou determinarão a solidez de suas atitudes nas situações. No mundo corporativo contemporâneo, o modelo de “atingir meta a qualquer custo” muitas vezes pressiona o profissional a agir de forma antiética e, realmente não é fácil responder negativamente a um pedido antiético de um superior, por exemplo.

O que é o pentágono da fraude? Me explica, por favor. Gostei da ideia.

Há mais de meio século, foi elaborado o primeiro modelo preditivo denominado “Triângulo da Fraude”, o qual explica que para que uma fraude ocorra são necessários três fatores: racionalização, pressão e oportunidade. Porém, assim como o tempo a dinâmica da fraude também avançou, tornando-se mais sofisticada e de difícil identificação. Surge assim o modelo “Pentágono da Fraude”, que em alusão ao modelo anterior, contempla os seguintes elementos essenciais para a ocorrência da fraude nas organizações:

• Racionalização: discernimento do indivíduo sobre o certo e errado, é a percepção moral que tem quando se depara com dilemas éticos que pautarão suas atitudes. O fraudador precisa racionalizar seus atos; ele necessita justificar para si e para os outros que determinada ação não é errada ou, caso o seja, amenizar a situação flexibilizando os padrões éticos.

• Pressão: à qual o indivíduo esteja submetido, considerando o contexto em que o potencial fraudador esteja vivendo em um determinado momento de sua carreira.

• Oportunidade: é a ideia que o potencial fraudador faz do quão vulnerável o objeto desejado está, bem como a visualização que tem dos meios para a execução dessa fraude.

• Capacidade: se refere à habilidade do indivíduo que, com má intenção, consegue operar o sistema de forma ardilosa objetivando o cometimento da fraude. De nada adianta o pretenso fraudador possuir acesso ao sistema que pretende fraudar se ele não tem a competência para executar seu plano.

• Disposição ao Risco: é a análise dos custos versus benefícios para decidir pelo cometimento ou não da fraude ocupacional. O colaborador antes de se tornar um fraudador mensurará se os benefícios que a fraude trará cobrem os custos, na hipótese de ser descoberto e punido.

A que você atribui o fato de a maior porcentagem de fraudadores ser do sexo masculino em sua pesquisa? É uma coincidência pela maior presença masculina nos cargos onde há maior liberdade para cometer fraudes ou seria algo relacionado com características de gênero?

Há vasta literatura sobre o suposto estilo feminino de atuar nas organizações. Consideramos imprescindível que as pesquisas sobre as particularidades da gestão feminina amparem-se na pesquisa quantitativa e qualitativa, buscando compreender as nuances dos comportamentos femininos nos variados contextos. De acordo com uma pesquisa que publicamos há alguns anos, as mulheres têm menor predisposição ao furto, mas são menos dispostas à denúncia de comportamentos corruptos. Por que? Ainda não temos indicadores claros que suportam esta resposta, mas talvez o perfil competitivo seja uma possível trilha a ser seguida em pesquisas futuras.

Há pesquisadores que defendem a “cegueira ética”, argumentando que o ambiente pode levá-los a cometer ações não éticas sem que percebam. Os seus estudos mostram que as pessoas vivem estes momentos de cegueira ética ou elas cometem ações não éticas de modo consciente?

Uma das principais características da fraude é a má intenção, sem ela não há que se falar em fraude, mas erro. Ou seja, conceitualmente é impossível a ocorrência da fraude sem a consciência. Entretanto, a pessoa pode ser um instrumento do fraudador. Exemplo: o gestor pede para seu subordinado manipular o resultado da área para alcançar as metas estipuladas e, consequentemente, ganhar um bônus. Se o subordinado fez de forma inconsciente ele cometeu um erro, mas o gestor uma fraude. Mesmo que o subordinado tenha feito por medo, ele fez consciente e deverá sofrer consequências de seu ato, mesmo que proporcionalmente menor que o mandante.

O problema do alto volume de corrupção no Brasil é de base legal, como a falta de punição?

Não. A compreensão e combate à corrupção não pode ser considerado isoladamente, mas precisa da perspectiva interacionista para analisar o micro (indivíduo), o meso (cultura) e o macro (organização). Se indivíduos cometem corrupção por influência das contingências, por mais variadas que estas sejam, há um prenúncio alentador: é possível não só punir, mas também há a possibilidade de relativa predição quanto à formação do agente. É possível buscar estratégias além da prevenção das consequências dos atos do fraudador e avançar nessa peleja inglória de repudiar suas ações.

Em outubro, realizaremos um evento no Rio de Janeiro para debater os caminhos do amanhã para a reputação do Brasil e das empresas brasileiras. Você acredita que podemos nos livrar da corrupção? Como isso aconteceria?

Nos “livrar” totalmente da corrupção não é possível por uma razão simples: a natureza humana é individualista e, infelizmente, sempre buscará seus interesses pessoais em detrimento da coletividade, porém podemos buscar ações para minimizar sua ocorrência, como caminhos por meio da abordagem sociológica para compreender as causas de fraudes, assim como os elementos de um modelo antifraude. É possível também identificar os componentes repetitivos no comportamento de funcionários fraudadores e traçar indicadores para orientar estratégias preditivas que considerem as características de cada organização, os tipos de fraude e o perfil do funcionário. Por fim, as organizações podem influir nas contingências que balizam o comportamento do funcionário antes que se torne um fraudador se parte significativa das causas remeter ao contexto do fraudador e se houver modelos antifraude.

* Tatiana Maia Lins é Consultora em Reputação Corporativa, diretora da Makemake e editora da Revista da Reputação.