Entrevista: Rosmari Capra-Sales e a diretoria de ética da L’Oréal
Nomeada Diretora de Ética em 2014, Rosmari Capra-Sales tem como objetivo dar suporte ao Programa de Ética do Grupo L’Oréal e ser um ponto de referência na promoção e no embasamento de boas práticas, oferecendo ajuda e orientação na tomada de decisões éticas em todos os níveis da empresa. Um desafio e tanto.
A L’Oréal foi uma das primeiras empresas a que temos notícia a criar um “Código de Ética Empresarial”. Isso aconteceu há 15 anos e, até hoje, serve de inspiração para a criação de documentos similares por outras empresas, grandes ou pequenas. De lá para cá, a L’Oréal consolidou a discussão interna sobre a ética e, este ano, foi considerada pela sétima vez consecutiva como uma das “Empresas Mais Éticas do Mundo”, pelo Instituto Ethisphere. No Brasil, L’Oréal foi reconhecida pelo Guia EXAME de Sustentabilidade como a empresa mais sustentável na categoria “Ética e Transparência”.
Nestes tempos de corrupção, conversamos com a Diretora de Ética Rosmari Capra-Sales sobre a jornada da L’Oréal por uma administração ética, em busca de uma luz no fim do túnel. Sim, é possível ser lucrativo e ético. Ao final da entrevista disponibilizamos um link para a terceira versão do Código de Ética da L’Oréal que pode ser usado como referência
Tatiana Maia Lins: Rosmari, como vocês fazem para que as questões éticas sejam realmente levadas em consideração nas tomadas de decisão na L’Oréal?
Rosmari: A construção do programa ético da empresa está baseada em cinco pilares. Primeiro, criamos um Código de Ética, cuja primeira edição foi lançada em 2000 e a mais recente em 2014. Ele abrange diversas perspectivas éticas, como segurança, marketing, concorrência leal, conflitos de interesse, diversidade, privacidade, assédio, atividades políticas, consciência ambiental, contribuição para a comunidade, entre outras. Temos também políticas internas específicas, inclusive uma dedicada ao assunto de prevenção à corrupção. Também temos políticas de compras e de formas de competir. Realizamos treinamentos presenciais, como o Discovery e não presenciais, como o Ethics e-learning, onde fizemos uma campanha desde julho de 2014 com toda a empresa e alcançamos, pelo momento, 98% do total de colaboradores treinados. Tomamos a Liderança pelo exemplo, com o Dia da Ética em que o CEO Mundial e o Presidente da Subsidiária Brasileira, Didier Tisserand, respondem perguntas de ordem ética diretamente aos colaboradores via um webchat ao vivo. E, por fim, monitoramos os casos éticos pelo canal conhecido como Voz Ativa.
Culturalmente, a corrupção é uma prática comum em empresas no Brasil. Como a L’Oréal tenta evitá-la?
Uma de nossas Políticas Internas é para Parceiros de Negócios, uma política exclusiva da filial brasileira para conseguir de seus parceiros o compromisso com a ética e a transparência. Temos também uma política específica para a corrupção, chamada “The Way We Prevent Corruption”. Nela, abordamos não só a questão da corrupção com os agentes públicos, mas também outras possibilidades mais ligadas ao nosso negócio, como, por exemplo, como influenciamos os formadores de opinião e os médicos.
Todos os documentos ficam disponíveis para os funcionários na intranet da empresa, pois é importante que nossos colaboradores saibam consultá-los em caso de dúvidas. Vale dizer que todas essas normativas são propostas pela matriz, na França, e aprovadas por todas as subsidiárias no mundo. Desta forma é possível verificar se há algum conflito entre os usos e costumes, e a lei local e outros empecilhos que, por ventura, possam existir em cada país.
Quais problemas vocês enfrentam na prática para que a cultura ética predomine?
Como somos uma empresa completa, com fábricas, distribuidoras, varejo, pesquisa, é realmente um desafio cascatear a mensagem por toda a organização. Nesse sentido, precisamos instruir os colaboradores sobre o assunto ética, investindo em treinamento e em comunicação. Temos treinamentos presenciais e não presenciais obrigatórios. O princípio é fazer com que todos os colaboradores conheçam nossas normas éticas para nortear o comportamento e possibilitar as escolhas certas.
A ideia do “Dia da Ética” é bem interessante. Como ela surgiu e o que acontece nesta data?
A data foi criada para que os profissionais reflitam sobre os valores da empresa e percebam como eles orientam suas ações e decisões nos negócios. A troca de ideias e opiniões, possibilita o trabalho em um ambiente respeitoso, honesto e transparente e é chave para a inovação e sustentabilidade dos negócios.
A L’Oréal comemora mundialmente o “Dia da Ética”, todos os anos, com um chat pela internet com o CEO e presidente mundial da companhia, Jean-Paul Agon, e com o presidente da L’Oréal Brasil, Didier Tisserand. Nessa “conversa aberta” pela internet, ao vivo, os funcionários podem esclarecer dúvidas e trocar ideias sobre a ética na companhia, podendo optar por identificar-se ou não.
Muitas empresas vêm implantando canais para denúncias sobre questões relacionadas à ética. O Voz Ativa recebe muitas denúncias? Ou as ocorrências são esporádicas?
Voz Ativa é canal externo exclusivo e terceirizado da L’Oréal para receber denúncias, de forma totalmente confidencial e segura, sobre possíveis desvios de condutas observadas nas equipes, a fim de interrompê-las com responsabilização dos agentes, caso confirmadas. A quantidade de denúncias pode ser algo relativo porque um problema pode gerar vários registros, mas em geral, recebemos dentro de uma média de mercado. O importante é ter o canal aberto e disponível para que as pessoas possam expor suas dúvidas e preocupações.
Como vocês tratam internamente casos de denúncia de comportamento antiético?
Após recebermos a denúncia, abrimos uma investigação que é regulada por alguns princípios, como o devido processo, confidencialidade, proteção do anonimato, não retaliação em caso de denúncias e outros. Ao final da investigação, se confirmada a denúncia, podemos atuar através de alguns mecanismos , como uma simples conversa ou uma advertência, suspensão ou, até mesmo, demissão simples ou por justa causa. Não toleramos comportamentos que não sejam aderentes aos nossos valores.
É possível, então, que uma empresa opere de forma lucrativa sob uma cultura ética?
A regra é essa. No caso da L’Oréal, optamos por fazer negócios sustentados pelo pilar ético. Essa é a única forma que aceitamos trabalhar.
Quais passos devem ser tomados pelas empresas que estão pensando em adotar uma política interna anticorrupção de sucesso?
Empresas que possuem, especialmente, maior contato com os agentes públicos precisam criar mecanismos fortes e verdadeiros de gestão corporativa, incorporados à cultura empresarial. Recentemente, vimos vários exemplos de empresas que, apesar desses, sofreram com a corrupção e isso é muito ruim para o ambiente de negócios, para a economia e para a sociedade, em geral.
Arquivo para referência:
Clique em Código de Ética L’Oréal para ter acesso à terceira edição deste documento.
* Tatiana Maia Lins é Consultora em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.