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Entrevista: Rozália Del Gaudio

Já tem um tempo que eu paquero a C&A. Olhava o que ela fazia, acompanhava os prêmios que ela recebia. Em novembro passado, estive na sede da C&A em São Paulo para conversar com a equipe de Comunicação já pensando em uma possível pauta para a Revista da Reputação. Quase seis meses depois, temos aqui uma entrevista com Rozália Del Gaudio, gerente sênior de Comunicação e Sustentabilidade da C&A. Falo sobre tempo nesta abertura porque na C&A também se fala sobre o tempo. Não com a urgência avassaladora tão comum ao universo da moda. Mas sobre estar no nosso tempo.

Muita gente não sabe, mas a C&A existe como empresa desde 1841. Atualmente, a C&A tem lojas físicas em 18 países da Europa, e mais China, México e Brasil. No total são quase 60 mil funcionários, que trabalham em mais de 1.900 lojas e, somente no nosso país, há um milhão de pessoas entrando nas unidades da C&A todos os dias. Os produtos vendidos são feitos por mais de 700 fornecedores, espalhados por diferentes geografias. Gerenciar a reputação de uma marca com tanta bagagem e com tanta capilaridade é um desafio e tanto. E foi sobre o desafio de atuar de forma sustentável e estando inserida em uma indústria que vem sendo confrontada com questões socioambientais cada vez maiores que eu e Rozália conversamos.

Tatiana Maia Lins: Rozália, quais são os desafios de gerenciar a reputação entre os brasileiros de uma marca global que lida diretamente com consumidores finais?

Rozália Del Gaudio: A C&A é uma marca vibrante, positiva, ética e cuidadosa e que, desde a sua fundação, em 1841, tem a preocupação em tomar as melhores decisões. Essas características ajudam muito o nosso trabalho e a boa reputação corporativa. O grande desafio é, então, garantir continuamente um processo de diálogo com todos os nossos públicos, inclusive o interno. Como estamos presentes em mais de 120 cidades no Brasil e em contato diário com mais de um milhão de clientes, a capilaridade das nossas operações e a quantidade de pessoas que se relacionam conosco exige uma postura consistente, genuína, relevante e que leve em consideração as diferentes expectativas e óticas. Para vencer esses desafios, precisamos estar conectados com nosso tempo e ter foco total nas pessoas. E isso demanda sair de uma atitude de comunicação mais unidirecional para de fato estarmos abertos a ouvir, dialogar, aprender e evoluir continuamente.

A C&A é uma marca com diferentes públicos-alvo: tem roupa feminina, masculina, infantil, casual e urbana, além de acessórios, roupas de dormir e roupas de ginástica. Como vocês trabalham estratégias para garantir um alinhamento de marca entre todos esses públicos?

Procuramos manter uma comunicação constante com nossos clientes e funcionários, baseada no diálogo e na conexão com a marca, em vez de nos pautarmos apenas pelas tradicionais formas de comunicação mercadológica. Também buscamos estar cada vez mais próximos dos nossos clientes e completamente abertos para ouvi-los. Algumas iniciativas internas são bem interessantes, por exemplo, a liderança da empresa tem regularmente encontros com clientes, para ouvir o que eles têm de expectativas. Mantemos alguns conselhos de clientes, inclusive o novo formato das nossas lojas foi desenvolvido a partir de inovações testadas com mais de duas mil clientes do Conselho Fashion da C&A. O segredo de atender tantos públicos transmitindo coesão é ouvir o que as pessoas querem e atender às suas necessidades e desejos, de modo que possam se expressar à sua maneira, livre de rótulos e estereótipos.

A C&A é uma marca tão querida para muitos brasileiros a ponto de ser comum o pensamento de que se trata de uma marca brasileira. A que você atribui este sentimento de familiaridade que as pessoas sentem em relação à C&A?

Desde que chegou ao Brasil, na década de 1970, a C&A sempre procurou se integrar e incorporar características brasileiras, tanto no desenvolvimento de suas coleções quanto na operação de loja e na comunicação. Os produtos que estão nas nossas lojas são pensados e criados aqui no país, levando em conta as preferências dos brasileiros aliadas às tendências globais. Temos lojas de Macapá a Pelotas e mais de 15 mil funcionários no Brasil. O dinamismo, a juventude, a criatividade e a ousadia são características dos nossos processos, especialmente o de comunicação, e sempre tivemos muito cuidado para entender e valorizar a diversidade brasileira. Neste aspecto, nosso posicionamento de marca, que vê a moda como uma plataforma de expressão e conexão com o mundo, nos inspira a agirmos cada vez mais com cores locais. Nós acreditamos que a moda deve ser criativa, respeitar os gostos e estilos individuais e que, como uma marca que opera no Brasil, devemos valorizar e respeitar a cultura local.

Moda é um segmento, em geral, associado ao estímulo ao consumismo. Como é possível trabalhar a Sustentabilidade na moda?

A prosperidade só é possível se estivermos tomando as decisões considerando as dimensões de sustentabilidade. Essa é a busca incessante da C&A desde sua fundação em 1841. Por isso, a sustentabilidade não é uma área isolada da empresa, é uma área que é parceira em todas as fases do negócio, desde o relacionamento com os fornecedores até a fidelização dos nossos clientes. Então, procuramos incorporar em toda empresa dimensões de sustentabilidade, para que, ao fazer a sua opção por nossos produtos e serviços os clientes possam também optar por um jeito diferente de consumir moda.

Do ponto de vista estratégico, desde 2015 reunimos as nossas iniciativas de sustentabilidade em três pilares:

1 – Produtos sustentáveis: acreditamos que o normal é apenas um sinônimo de sustentável. É por isso que nos esforçamos para fazer nossas roupas de forma responsável e sustentável. Isso significa que estamos sempre em busca das melhores escolhas para nossos clientes, de forma que eles não precisem optar entre o que é sustentável e o que não é. Até 2020, queremos que 100% dos nossos produtos de algodão sejam feitos com algodão mais sustentável e que 67% das nossas matérias-primas sejam de origem mais sustentável. Também temos o compromisso de ampliar a oferta de produtos alinhados ao conceito da economia circular.

2 – Rede de fornecimento sustentável: globalmente, nossa rede de fornecimento abrange mais de 1 milhão de pessoas, empregadas por 788 fornecedores, que administram mais de 2.400 unidades de produção em quatro regiões totalmente diferentes e compreendendo culturas distintas. Por um lado, isso representa uma oportunidade real para ajudar a tornar o comportamento sustentável em um hábito comum e normal entre populações diversas. Por outro, requer vigilância e dedicação às melhores práticas. Devemos identificar os problemas e capacitar as pessoas para lidar com as mudanças, trabalhando em parceria com nossos fornecedores e stakeholders. Além disso, nesse pilar olhamos para as questões de químicos no processo produtivo, bem como as questões de água, resíduos e emissões de carbono.

3 – Vidas sustentáveis: a C&A é uma empresa global de varejo de moda que influencia a vida de cerca de 60 mil funcionários, de 1 milhão de trabalhadores, por meio de nossos fornecedores e de milhões de clientes por ano no mundo todo. O que fazemos e a forma como o fazemos tem um impacto significativo em grupos diferentes de pessoas. Queremos que os funcionários que trabalham conosco sejam embaixadores desse tema, e que nossos clientes nos reconheçam por nossos esforços e resultados em sustentabilidade.

A C&A é uma empresa com quase 200 anos e que mantém uma pegada jovem. Qual o segredo? Isso sempre foi assim ou vocês passaram por momentos de se reinventar como empresa?

A C&A tem em seu DNA ser uma marca jovem e inovadora, e para continuar assim, tem que se reinventar para estar conectada ao seu tempo. Recentemente, ampliamos nossos investimentos nas plataformas digitais com o C&A Studios, nossa nova estratégia de marketing, com foco maior no ambiente digital e, sobretudo, nas redes sociais. Com isso, visamos uma aproximação e conexão cada vez maiores com o cliente. Além disso, também temos investido em parcerias e ações que reflitam esse novo momento da empresa, por isso os lançamentos ao lado de personalidades como Anitta e Pabllo Vittar, bem como de Collections com marcas e nomes famosos, como a nossa última, 4 Mares, lançada em novembro de 2017, representando a nossa maior Collection entre as 60 lançadas em 12 anos de parcerias e sucesso em vendas. Então o segredo passa pela conexão, pela escuta, pelo interesse genuíno em aprender e evoluir, mesmo que isso signifique abrir mão de padrões anteriores de sucesso.

Vocês foram uma das primeiras empresas a ter um negro como garoto propaganda na TV. O que isso representou de mudança para a C&A e para a concorrência?

A questão da diversidade está no DNA da C&A desde muito antes do assunto ganhar a abrangência que tem hoje e tem evoluído ao lado das demandas da sociedade. Em 2017, a empresa foi reconhecida como uma das marcas que melhor entendem a abordagem da diversidade em suas campanhas publicitárias, segundo pesquisa realizada pela consultoria Youpper e o respeito à diversidade é um dos diferenciais da nossa cultura. Todo o mercado de consumo passou por uma fase em que a representatividade não era a preocupação central. Isso ficou ainda mais acentuado no mercado da moda que está diretamente relacionado à questão do corpo e dos padrões, que por muito tempo foi branco, magro e heterossexual. Agora a representatividade tem sido cada vez mais importante para o público, o mercado da moda já entendeu que devemos nos comunicar e oferecer opções para todos e, por isso está mudando, mas muda aos poucos, padrões e paradigmas precisam ser quebrados e estamos caminhando para isso.

A questão do Sebastian me traz a uma outra questão: a da inovação. Como vocês fomentam a inovação na C&A?

Acreditamos que a inovação seja uma das chaves do negócio e um grande desafio também. Estamos sempre antenados às tendências do mercado, acreditamos que é preciso inovar sempre, tanto na forma de nos comunicarmos como por meio dos nossos produtos. Mostramos apoio à moda sem gênero e ao Dia dos Pais e Dia das Mães sem preconceito em campanhas publicitárias, fizemos parcerias para celebrar o empoderamento feminino, como o projeto Todo Dia Delas, e a diversidade, respectivamente e fomos a primeira varejista de moda do Brasil a usar o Google Shop. Também somos a maior investidora do varejo de moda do Instagram na América Latina e estamos entre os maiores investidores de varejo no Facebook na América Latina. Em sustentabilidade, fomos a primeira empresa de varejo de moda a conquistar a certificação LEED de construção sustentável para nossa loja Eco em Porto Alegre e lançamos a primeira coleção de camisetas desenhadas para serem recicladas, do mundo, com a certificação nível Gold da Cradle to Cradle™.

Antes de entrar na C&A você passou por empresas de perfis bastante diferentes. Qual a principal diferença entre trabalhar em uma empresa de capital aberto e uma empresa familiar em relação à pressão por resultados?

Quando eu olho para a minha trajetória, vejo que sempre tive muita sorte em estar no lugar certo na hora certa, sendo exposta a desafios fantásticos e que trouxeram muito aprendizado. Comparando as experiências em companhias abertas e em empresas familiares, eu diria que uma das principais diferenças reside na organização de fluxos de informação financeira. No caso da C&A por exemplo, que é uma empresa de capital fechado, mas internacional e que opera em um mercado altamente competitivo, temos que adotar práticas de boa governança corporativa incluindo a transparência. Por exemplo, fomos a primeira empresa do varejo de moda brasileiro a publicar um relatório de sustentabilidade no padrão GRI, lá em 2010, e a primeira a tornar pública a sua lista de fornecedores, em 2017. Não divulgamos externamente indicadores financeiros, mas estamos abertos a dialogar inclusive sobre temas mais sensíveis. Então eu diria que nas empresas pelas quais passei sempre experimentei uma gestão profissional, baseada na busca de resultados, mas com propósito claro e que ia além da busca do resultado financeiro apenas. Atuei em empresas que, como a C&A, estavam interessadas em se conectar com a realidade local e a fazer a diferença não apenas no ponto de vista de negócios. E isso, pensando em reputação, é realmente um grande diferencial

Há mais alguma coisa que você gostaria de comentar que eu não tenha perguntado?

Estamos bastante empolgados com o lançamento da campanha global #VistaAMudança, que convida nossos clientes a estarem conosco na jornada por uma moda com impacto positivo. As primeiras ações começaram em abril e com essa grande ação de comunicação vamos consolidar numa plataforma comum – e dialógica – todo o trabalho de sustentabilidade que desenvolvemos seja em produtos, rede de fornecimento ou vidas mais sustentáveis. Nosso objetivo é que não só a C&A continue sendo a marca de varejo de moda mais sustentável do mercado, mas que possamos inspirar o setor como um todo e nossas clientes a estarem cada vez mais atentos a esse tema.

* Tatiana Maia Lins é Consultora em Reputação Corporativa, diretora da Makemake – A Casa da Reputação no Brasil e editora da Revista da Reputação.