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ESG – a nova bússola da Sustentabilidade

Um mundo em plena transformação impõe novos desafios e responsabilidades à gestão da governança. De todas as lições que tenho aprendido em mais de duas décadas atuando como corporate advisor para lideranças sêniores, ajudando a desenvolver estratégias de comunicação com diferentes públicos, em diferentes organizações e em diferentes momentos da economia, a que mais me impressiona é a ideia de que, no ambiente de negócios, não há nada mais previsível que a imprevisibilidade.

Por mais sofisticadas que sejam nossas análises preditivas, quantas terão sido capazes de antecipar a gravidade de uma pandemia global e seus efeitos sistêmicos sobre toda a economia? Não obstante os dramas pessoais, as vidas perdidas, a perda de renda, do ponto de vista da gestão, todo o esforço de planejamento, simulações de cenários extremos ou manuais de business recovery, pareceu pouco diante das circunstâncias impostas pelo inevitável isolamento social.

A natureza é assim. De tempos em tempos ela muda as regras do jogo e nos faz navegar sem bússola em meio à tempestade. E se nem sempre é possível antecipar os movimentos como gostaríamos, o jeito é aprender a interpretar novos sinais, ter sabedoria para esperar o momento certo sem medo de perder o timing, desenvolver a resiliência e a capacidade de interpretar o tipo de jogo que nos impõe o tabuleiro das circunstâncias.

A pandemia é desses momentos que já mudaram para sempre o curso da nossa história. Ainda que já seja possível vislumbrar algum início de normalidade em poucas regiões do planeta, também se sabe que a recuperação não será linear, e que os efeitos sobre a economia global poderão ser sentidos por muito tempo provocando profundas reflexões sobre no nosso estilo de vida, de consumo, de trabalho, no ambiente de negócios e na governança das organizações.

Pouco antes disso tudo acontecer o viés já era de reflexão. No início do ano em Davos, por ocasião do 50º Fórum Econômico Mundial, o assunto de maior destaque foi o manifesto de empresas que buscavam pactuar um maior compromisso com agendas como pagamento justo de impostos, combate à corrupção, defesa do meio ambiente, capacitação profissional, consciência ética no uso de informações privadas, proteção de direitos humanos por toda a cadeia de produção e remuneração responsável. A crise sanitária que se espalhou pelo mundo na sequência só intensificou a premência de todas essas agendas.

A percepção sobre a necessidade de repensar modelos de negócio, respondida em Davos com uma nova visão de mercado denominada stakeholder captalism, vem sendo constatada de maneira recorrente por outros instrumentos de escuta como o relatório anual da agência global Edelman, em seu Trust Barometer 2020, que analisa o grau de confiança nas instituições a partir da opinião de mais de 34 mil pessoas em 28 países. Em sua mais recente edição, o estudo aponta que, para 57% dos respondentes, o modelo atual de capitalismo é mais nocivo que benéfico para a sociedade.

O relatório também aponta para uma crescente preocupação dos consumidores com o papel social das organizações. Conclui que a forma como as empresas respondem ao seu papel social, se posicionam ou exercem sua responsabilidade junto ao ambiente em que estão inseridas, é tão importante quanto qualquer produto ou serviço que ofereçam. A soma das evidências apresentadas pelo estudo leva ao entendimento que as agendas de sustentabilidade adotadas até outro dia já não são suficientes para consolidar uma reputação de marca socialmente responsável. É preciso ir além das ações pontuais.

Na primeira onda da sustentabilidade, as organizações se esforçaram em compreender a relação direta entre riscos ambientais, de conformidade ou de governança, e as dimensões financeiras do negócio. Estruturaram departamentos de compliance, pactuaram indicadores de desempenho e métricas uniformizadas, consolidando e promovendo suas práticas a partir dos parâmetros GRI, ampliando a transparência na relação com investidores. Foi um avanço, mas não impediu que grandes organizações, com processos amplamente reconhecidos e difundidos entre seus stakeholders, viessem a enfrentar problemas graves nos últimos anos.

O que a pandemia fez foi acelerar o entendimento de que era preciso olhar também para o social com o mesmo cuidado com que já se atentava para o ambiental e a governança. Assim, a segunda onda da sustentabilidade corporativa sacramentou definitivamente o chamado ESG (Environmental, Social and Governance), ampliando a sua relevância frente a uma nova realidade onde as empresas são cada vez mais avaliadas mais pelo benefício que trazem para toda a sociedade e não apenas por um conjunto de metas combinadas entre acionistas. Nesse novo contexto, reputação, confiança e capital social começam a fazer mais sentido que a performance financeira pura e simples.

Não faz muito tempo, o investimento em agendas de sustentabilidade era quase que essencialmente motivado pela conduta ética de uma organização, e contabilizado mais como custo que como investimento. Hoje, a percepção sobre o impacto de não investir em ESG, além de confrontar os reais propósitos da organização, passou a ser algo muito mais palpável para o acionista, estimado e dimensionado por todo o mercado financeiro.

Um bom exemplo é que a BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, representando mais de US$ 7 trilhões em ativos sob sua administração, já coloca a sustentabilidade no centro da sua estratégia de investimento. A gestora passou a oferecer “versões sustentáveis” dos seus principais modelos de portfólio e tem defendido a adoção de índices ambientais, sociais e de governança (ESG) como novo padrão de investimento. Na área de classificação, recentemente, a Moody’s citou os riscos ESG como fator relevante em 33% das 7.637 decisões de classificação do setor privado publicadas no ano passado. E o Goldman Sachs também anunciou recentemente que não vai trabalhar IPO de empresas nas quais não haja diversidade em seus conselhos de administração. O ESG entrou na ordem do dia.

E à medida em que fica cada vez mais patente a correlação entre o compromisso social da empresa e a capacidade de gerar confiança, principal atributo na tomada de decisão e na fidelização em relação a uma marca, aumenta a responsabilidade da governança em compreender e equalizar interesses dos novos e dos antigos stakeholders. Entender esse contexto é empregar toda a resiliência possível para se adaptar a uma realidade que segue em plena transformação, e assim, ajudar a organização a voltar ao jogo no futuro pós pandemia de maneira mais saudável.

Outra pesquisa global, da Nielsen, traz a dimensão geracional desse novo contexto. O estudo

diz que 73% dos millenials admitem trocar de emprego mesmo ganhando menos, para trabalhar em uma empresa socialmente responsável. E pelo menos 66% dos consumidores preferem comprar produtos e serviços de empresas que tenham programas que contribuam com a sociedade. Não há dúvidas de que o mundo seguirá caminhando inexoravelmente em direção a um modelo de capitalismo mais consciente e sustentável.

A sustentabilidade ganhou relevância com o ESG. Deixou ser mero checklist, importante para quem almejava lançar ações em bolsa no exterior. Em um mundo cada vez mais conectado, informado e motivado por causas, práticas de greenwashing e purpose washing são facilmente desmascaradas e publicamente rejeitadas. Usar um falso apelo social ou ecológico quando o discurso institucional não puder se sustentar por meio de práticas, valores e propósitos concretos já põe em risco o futuro de negócios considerados financeiramente seguros.

A visão mais ampla de todo esse cenário e suas inter-relações passou a fazer parte do rol de competências da governança na medida em que ela personifica os propósitos e os valores da organização no dia a dia das suas ações e interações com os stakeholders. A liderança é o exemplo e a garantia de que as dimensões ambientais e sociais da cadeia ESG se reproduzam em práticas verdadeiras na relação com os colaboradores, no respeito incondicional a cada política da empresa, ao reproduzir o mesmo respeito nas relações comerciais, nas parcerias de negócio, nos contratos, e ao questionar todos os dias sobre o impacto social e ambiental das ações da empresa junto à sociedade em que atua. Walk the talk.

Enquanto não houver uma vacina que traga esperança para a humanidade ainda veremos muita turbulência e imprevisibilidade pela frente. Mas se o mar calmo nunca fez um bom marinheiro, é na intempérie que se destacam os grandes navegadores. São eles que conduzirão a tripulação ao próximo porto seguro. O ambiente de negócios precisa de bons timoneiros pois navegar é preciso. Ainda que voltar àquele normal não seja preciso.

* Rafael Veras é executivo de gestão estratégica em comunicação, marketing e reputação, e consultor associado da ,,Makemake – a Casa da Reputação.