Gerenciamento de marca e de reputação na era digital
Alguns anos atrás, um dos maiores bancos da Europa enfrentou uma situação instigante: Enquanto seu departamento de comunicação lutava para mitigar as consequências negativas em sua reputação, por causa do seu envolvimento no que veio a ser conhecido como “Panama Papers”; o departamento de marketing estava dando os retoques finais em uma planejada campanha de rebranding, com o slogan “This Is Banking“, algo como “Isso é que é Banco“. E só depois que um consultor externo apontou para o absurdo da situação é que a campanha de rebranding foi abortada. Embora possa parecer um disparate para quem está de fora, situações similares ocorrem com regularidade em muitas grandes empresas pelo mundo afora, evidenciando alguns dos principais problemas do gerenciamento de marcas corporativas e reputação nos dias de hoje.
Para início de conversa, ainda é frequente que a reputação de uma empresa seja gerenciada pelo departamento de comunicação corporativa, enquanto a marca corporativa fica sob a responsabilidade do departamento de marketing. Essa divisão de um conceito que é essencialmente o mesmo (tanto a reputação como a marca são definidos, em última instância, pelas percepções que as pessoas têm da empresa) é apenas a ponta do iceberg:
Concretizar a marca da empresa e construir sua reputação são, de fato, o resultado de esforços feitos por muitos outros departamentos, como RH, Administrativo, Responsabilidade Social Corporativa e as operações da empresa em todas as áreas do negócio. A abordagem “circuito fechado” de uma típica empresa de grande porte tem sido discutida há vários anos, sem que houvesse significativa melhora quando se trata de gerenciamento de marca e reputação.
É verdade que muitas empresas fundiram seus departamentos de marketing e comunicação, mas mesmo assim, essas empresas tendem a ver a marca como um conceito basicamente relacionado ao cliente, e reputação como relacionado aos stakeholders, apesar do fato de que, no mundo externo, essas linhas que dividem grupos de stakeholders têm ficado mais apagadas com os anos. Melhor colaboração e constante troca de ideias entre as áreas de comunicação e marketing no banco citado acima certamente teria evitado um caso de quase desastre, ao propor um rebranding em meio a uma crise de reputação, e de uma forma muito inadequada.
Outro problema exemplificado por esse relato é a falta de dados pertinentes entregues a tempo hábil para dar subsídios à tomada de decisões nesse campo. Enquanto os departamentos de marketing tendem a ser bastante avançados no uso de dados, os departamentos de comunicação corporativa ainda são relativamente inexperientes neste jogo – por terem poucos dados disponíveis, ou dados limitados à quantificação do resultado: por exemplo, menções na mídia, tráfego de website e similares. Embora esses dados sejam importantes, eles não quantificam o impacto das atividades e, portanto, não contribuem para a avaliação da eficácia nem para o planejamento das futuras ações.
Mesmo nos casos em que os dados relacionados ao impacto que causam são levados em conta, ou estão focados apenas nas mídias sociais ─ caso em que perdem grandes proporções do universo relevante de stakeholders ─, ou são coletados com forma irregular e, como consequência, muitas vezes são utilizados tarde demais para terem qualquer relevância. Se o departamento de comunicação corporativa do banco, no caso em análise, tivesse dados em tempo real das percepções dos stakeholders e de como eles mudaram como resultado das revelações do “Panama Papers”, e se tais dados fossem regularmente compartilhados e usados por outros departamentos ─ como o de marketing ─, provavelmente as decisões tivessem melhor embasamento.
Cuidado com a Era Digital
No mundo de hoje, a maioria dos processos nas empresas é vista e gerenciada com o auxílio da teoria analítica; com o gerenciamento da marca e da reputação não é diferente. A forma como definimos e demonstramos o que uma empresa representa, e os nossos esforços para melhorar a reputação da empresa ao longo do tempo devem ser regularmente transmitidos por meio de informações relevantes prestadas no momento adequado, o que pode ajudar as empresas a compreenderem o que as pessoas pensam e sentem sobre elas, e a interpretarem essas percepções e agirem de acordo, como forma de envolver efetivamente as pessoas.
Na era digital, esse processo não é apenas mais importante (devido à multiplicação de pontos de contato e da frequência de interação entre empresas e seus stakeholders relevantes), mas, na verdade, é também muito mais fácil: a tecnologia digital fornece às empresas ferramentas que lhes permitem coletar e interpretar informações com mais frequência e eficácia – e compartilhá-las mais amplamente por toda a organização.
Se por um lado, os desafios de gerenciar efetivamente a marca e a reputação só aumentam na era digital, por outro, os desafios são mais fáceis de resolver, ao ajudar a automatizar e acelerar os processos. Mas, antes de usar a tecnologia para ajudar no processo, as primeiras providências ainda demandam uma boa construção de pontes à moda antiga: a necessidade de integrar.
Gerenciando a marca e a reputação. Tão fácil quanto 1-2-3?
Todo esforço sincero para melhorar o modo como uma empresa gerencia sua marca corporativa e sua reputação deve começar com a integração das forças dos vários departamentos que têm interesse na questão – começando com marketing, comunicação e RH. O segundo elemento da integração, que é igualmente importante, é integrar os esforços à face “tangível” do negócio –infraestrutura, produtos e competências que permitam que a empresa opere e forneça seus produtos em ritmo constante. Isso significa,sem dúvida, conectar as histórias e mensagens que fazem parte da marca e a criação da reputação, com os ativos físicos e competências da empresa, e colaborando estreitamente com as partes do negócio que gerenciam o que a empresa tem e faz.
Na Airbus, a maneira como fizemos isso foi trabalhar bem perto das várias áreas do negócio quando nos propusemos a “embarcar” no desenvolvimento do novo projeto da nossa empresa. Começamos construindo um consenso em torno da definição de reputação, como sendo algo que é “construído sistematicamente ao entregar o que se promete àqueles que são importantes” – significando que é mais sobre o que fazemos e como fazemos, do que sobre o que dizemos.
Então, juntos montamos uma estrutura de propósitos que integra incentivos emocionais e incentivos baseados na identidade de nossa empresa, abrangendo nossos valores e comportamentos de um lado, e a nossa estratégia de negócios e ambições comerciais do outro. Para avaliar a eficácia de nossos esforços e configurar sua evolução, criamos um sistema de medição que combina dimensões estratégicas e táticas – integrando tanto a mensuração da marca como a mensuração da reputação em uma única configuração, que informa tanto as decisões estratégicas do negócio quanto as comunicações táticas.
O segundo passo que os profissionais de marketing e de comunicação devem tomar tem a ver com automação.
No contexto do gerenciamento da marca e da reputação, o que essa palavra preocupante, automação, realmente significa é usar a tecnologia para aprimorar os procedimentos de ouvir com atenção o que os stakeholders têm a dizer, aprender com as opiniões deles e respondê-las adequadamente. A maioria das empresas ainda adota uma abordagem tradicional para gerar, interpretar e ativar as opiniões dos stakeholders: encomenda um estudo de pesquisa pontual com uma longa fase de implementação, um prolongado trabalho de campo e longos adiamentos antes de receber resultados na forma de centenas de slides de PowerPoint; em seguida, compartilha esses slides com qualquer um da organização que esteja interessado, torcendo para dar sentido a eles, que dirá em concordar com quaisquer ações de implementação. Esses processos acabam sendo proibitivamente caros e, na maioria das vezes, fornecem insights “descolados” do negócio, e isso, de per si, são às vezes irrelevantes, devido ao intervalo de tempo entre a geração de dados e a discussão sobre sua implementação.
Ao usar ferramentas digitais que automatizam a coleta e a leitura analítica dos dados, a visualização de cenários e perspectivas e a distribuição interna, as empresas podem reduzir significativamente o custo desses processos e gerar insights que são atualizados e relevantes, e podem, portanto, colaborar para uma tomada de decisão mais célere. Essa forma de trabalhar também pode abrir oportunidades para integração de métricas mais sofisticadas e leitura analítica de dados por toda a empresa, já que os dados de percepção em tempo real podem ser analisados em relação a outros dados do negócio em tempo real.
Isso e a capacidade de absorver os dados on-line aumentam muito o envolvimento das outras áreas do negócio nesse trabalho, bem como o interesse delas nos insights sobre marca e reputação e sobre o valor que esses insights criam para o negócio como um todo.
O passo final do processo é uma consequência natural da automação: a aceleração
Quando dados e insights estão prontamente disponíveis em tempo real, eles podem ser ativados com mais frequência e de forma ampla. Em lugar da árdua tarefa de coletar,analisar e interpretar dados e compartilhá-los periodicamente com as demais áreas da empresa, a equipe responsável pela marca corporativa e pela reputação pode se tornar um facilitador para usuários finais internos. Pode ajudar as áreas de mercados e áreas funcionais do negócio a aprenderem a trabalhar com uma ferramenta digital que os abastece de insights sobre marca e reputação em base contínua, para que eles possam estimar a eficácia de suas próprias atividades, avaliar o impacto de eventos externos em seus stakeholders, identificar os riscos emergentes e manter-se a par das mudanças de expectativas de seus públicos de relevância.
Dessa forma, a empresa obtém mais valor ao utilizar diretamente os insights que dão subsídios às operações e à estratégia, ajudam a otimizar a alocação de recursos e a moldar canais, mensagens e atividades de engajamento. E tudo isso de forma muito mais contínua e acelerada, em vez de anualmente. Para acelerar a geração de valor na Airbus e apoia melhor os negócios, aumentamos a frequência do nosso sistema de monitoramento e ampliamos o grupo de usuários finais que podem se beneficiar de insights sobre a marca e a reputação, inclusive a ativação dos mesmos. Estamos no processo de criar ferramentas digitais corretas que possam nos ajudar a não só acelerar ainda mais esse processo, como torná-lo mais eficiente.Pode não ser tão fácil quanto o 1-2-3, mas integrar, automatizar e acelerar os processos de trabalho é algo que está acontecendo em todos os lugares nos dias de hoje – dentro de todas as empresas, e em todos os ramos de negócio. E não há razão para que com o gerenciamento da marca e da reputação aconteça algo diferente.
Quais ferramentas digitais usar e quanto investir em tais mudanças é algo que cada empresa deve decidir dependendo das características próprias, mas que, no mínimo, seja para que as empresas possam evitar aquela situação em que o departamento de marketing investe em uma campanha de rebranding que vai de encontro aos esforços de reparação da crise no seu departamento de comunicação ─ então certamente esse é um investimento que vale apena fazer.
* Holger Schubert é diretor de gerenciamento de marca da Airbus.
Shahar Silbershatz é CEO do Grupo Caliber – Especialistas em marca corporativa e reputação.