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Interdependência, empatia e colaboração: novo tripé da sustentabilidade

Quais as principais tendências em sustentabilidade neste momento de pandemia e no momento que se seguirá? Muita gente deve estar se fazendo esta pergunta. Ricardo Voltolini, CEO e fundador da consultoria Ideia Sustentável e idealizador da Plataforma Liderança com Valores está compilando estas tendências e as apresentará em um evento no dia 14 de outubro, em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global. Conversamos com Ricardo Voltolini sobre a sua trajetória de mais de 25 anos de consultoria, os dez anos da Plataforma Liderança com Valores e sobre o impacto da pandemia para a sustentabilidade corporativa.

Como surgiu a ideia da Plataforma Liderança com Valores? É surpreendente ver como vocês já falavam em ativismo corporativo há tantos anos.

Em 2008, com a crise financeira que teve início nos Estados Unidos e impactou a economia mundial, houve uma “grita global” de que o mundo não podia ser mais daquele jeito. A especulação financeira de jovens “geniozinhos do mal” gananciosos que agiram de forma irresponsável e prejudicaram a economia de diversos países foi, para nós, um indicador de como era importante promover um novo modelo de empresa e cultivar líderes com valores humanos mais elevados. Desde então pensávamos na relação das lideranças positivas com a sustentabilidade como um todo.

Na Ideia Sustentável, que existe desde a década de 90, muitas vezes nossos trabalhos de consultoria não passavam da etapa de diagnóstico e iam para a gaveta. Então começamos a pesquisar quem eram “os Mandelas da Sustentabilidade”. Entrevistamos 50 empresas e notamos que um ponto em comum era que havia sempre um CEO, um líder que acreditava no tema e se tornava seu embaixador.

Mas que valores tinham estes líderes? Em 2011 lançamos o livro “Conversas com Líderes Sustentáveis” (que voltou a vender bastante agora) e criamos a Plataforma Liderança com Valores (PLV), com eventos para debater e propagar as ideias, dentro de um projeto de gestão de conhecimento baseado em storytelling de lideranças, de modo organizado e com metodologia própria.

Um dos nossos compromissos desde o início é produzir conhecimento relacionado à sustentabilidade, como as nossas revistas e livros, e a PLV. Dez anos é muito tempo para qualquer projeto, então já vínhamos discutindo um segundo ciclo da plataforma. Creio que será mais focado em storydoing e inovação, buscando mostrar não só histórias de líderes, mas suas ações apoiando e construindo as transformações nas empresas e na sociedade. Queremos dar luz a projetos transformacionais que tenham inovação clara, com sentido disruptivo, que promovam quebra de paradigmas.

Vocês farão um evento no próximo dia 14 de outubro para falar sobre macrotendências em sustentabilidade. Poderia nos contar um pouco sobre este estudo?

A Ideia Sustentável desenvolveu um estudo a partir da leitura e análise crítica de 80 documentos internacionais publicados entre agosto de 2019 e julho de 2020 por organizações think tank ligadas à sustentabilidade, por veículos de mídia e portais de negócios.

A partir da análise que fizemos dos documentos, das discussões nos eventos que a Plataforma realizou no primeiro semestre e de entrevistas com executivos participantes da PLV, identificamos 11 macrotendências em sustentabilidade. Acredito que estamos numa fase de “revalorização do conceito” de sustentabilidade, por conta da ascensão do ESG (Environmental, Social and Governance) no mercado financeiro.

Você poderia antecipar algumas destas tendências de sustentabilidade pós coronavírus?

Vemos tendências muito claras, como o que chamo de “tripé de destaque”: Interdependência – Empatia – Colaboração. O olhar de interdependência se acentuou com a pandemia e levou as pessoas a um processo de reflexão, por medo e instinto de sobrevivência. Difundiu-se o raciocínio de que não dá para ser próspero numa sociedade falida. Se o meu colaborador morre de Covid-19, se o meu fornecedor quebra, como vou prosseguir ileso?

Agora o coronavírus acrescentou elementos emocionais à conversa e a empatia, a postura de colocar-se no lugar do outro, passou a ser mais praticada. No momento da crise, da doença pandêmica, o bilionário e o pobre têm as mesmas restrições devido ao isolamento social. Estar com a família, o desfrute, a alegria – não há dinheiro que pague.

Quanto à colaboração, a partir do segundo mês da quarentena, vimos reuniões de concorrentes em torno de desafios comuns da pandemia e isto foi muito representativo. O investimento social privado conseguiu destinar doações superiores a R$ 6 bilhões, quase três vezes mais do que investimentos regulares de fundações. Isto indica que se tivermos uma governança organizada para direcionar recursos, que seja em uma prioridade por vez, poderíamos, por exemplo, ter investimentos em uma estrutura hospitalar digna para os brasileiros.

Além destes, vale destacar a hipertransparência, em resposta a uma postura do consumidor que demanda mais ética e responsabilidade das organizações. E uma outra tendência para sinalizar é que nós – e aqui me refiro a país, empresas e pessoas – não temos sido objetivos em combater as mudanças climáticas, apesar de isto se mostrar cada vez mais urgente.

Durante o último CEO com Propósito, falou-se que a pandemia poderia ser um bom indutor na aceleração da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Você tem percebido alguma evolução neste sentido? 

A agenda dos ODS ganhou força. O que está acontecendo é que os ODS já vinham em uma discussão mais profícua, mais avançada do que seus antecessores ODM (Objetivos do Milênio). O cenário pré- pandemia já era otimista na absorção dos ODS pelas estratégias das empresas e agora sustentabilidade voltou a ser uma preocupação das organizações quanto ao alinhamento da estratégia.

Um aspecto avassalador foi a valorização da sustentabilidade pelo mercado financeiro. Parece que caiu a última trincheira desta batalha. A lógica do investidor, que antes entendia a sustentabilidade como uma despesa, que não dava lucro, mudou drasticamente. Larry Fink, CEO da BlackRock, teve uma grande contribuição, discutindo no World Economic Forum o capitalismo de stakeholder (modelo de gestão de empresas que coloca o impacto gerado pelas companhias à frente do lucro). Pois este modelo não apenas sobreviveu à pandemia como se mostrou mais lucrativo em tempos difíceis, e deverá se tornar cada vez mais importante.

O termo ESG agora aparece nas páginas do jornal Valor Econômico com naturalidade. Capital não gosta de risco e já ficou claro que empresas que não contemplem o ESG apresentam maior risco. Chegou a hora e a vez da liderança orientada por valores. Os atores capitalistas do WEF devem passar a colocar propósito à frente do lucro e as empresas precisam passar a representar solução e não problema.

Não digo que a pandemia acelerou as mudanças exatamente, mas ampliou o grupo de pessoas preocupadas e acelerou a reflexão de quem já vinha refletindo. Sou sempre muito otimista. Mesmo que não tenhamos 100% das pessoas mudando, talvez tenhamos 30% preocupadas com as mudanças. Temos muito trabalho pela frente, mas, se estamos vivos, temos que trabalhar.

* Marcia Cavallieri é consultora associada à Makemake – A Casa da Reputação.