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Marketing e Reputação: que abismo é esse?

Outro dia, navegando na internet, encaro esse título de uma matéria na home page UOL: “Dietas DETOX funcionam mesmo ou são puro marketing? ”Péssima notícia para começar o dia. Não porque estou interessado em programas de dieta, mas porque sou do mundo do marketing. Bem-vindos ao velho estigma do marketing: dourar a pílula e vender gato por lebre.

Não vou entrar no mérito das questões científicas e médicas da matéria. Nada entendo do assunto. Portanto, não tenho autoridade para discordar ou concordar. E nem sequer sou usuário do tal suco verde. Além disso, já sabemos que o pensamento científico gira em órbita diferente do pensamento de marketing. Esse é um terreno fértil para semear polêmicas.

Comunicação de marketing e ciência são dois mundos diferentes, mas não podem ser apartados por esse “abismo reputacional” que assola a imagem do marketing.

Polêmicas à parte, estou interessado em discutir aqui essa questão: por que o marketing padece desse desgaste de reputação? Pincei duas frases da matéria. São torpedos indigestos para quem lida com marketing: “… denunciaram que a palavra detox se referia a uma enganosa estratégia de marketing. ” ou“… aproveitar-se do dinheiro das pessoas”. Se você é de marketing, tente dormir com esse barulho.

Espero que concorde comigo: não se trata de cobrar rigor científico da comunicação de marketing nas estratégias de posicionamento de produtos. Ninguém vai se divertir nos parques da Disney porque os brinquedos são seguros e passam por rigorosa manutenção. As pessoas vão em busca do prazer da diversão. Segurança é algo mandatário – “must be” – e, como tal, não deve fazer parte do discurso de marketing. Disney é sonho, não é segurança.

Mas ter compromisso com a verdade é algo básico, inegociável. É assim que começamos a pavimentar a estrada da reputação em marketing. Muitas empresas derrapam nas curvas da reputação justamente porque falham na tarefa de pavimentar esse caminho. Falham no básico ou se negam a enxergar o óbvio. Por excelência, marketing é uma disciplina que deve agir sobre preferências e necessidades dos clientes. Se possível, antecipando-as, como convém ao marketing proativo. Sim, é possível antecipar, guiar, educar clientes para mudar preferências (escolhas) e necessidades (hábitos de consumo).

O desafio é fazer isso com verdade, capacidade de entrega e consistência.Três premissas essenciais do marketing sério. Três camadas para pavimentar o caminho e construir a ponte entre o marketing e a reputação. Então, a primeira camada de pavimentação da estrada é a verdade. Trata-se da essência, da base ou esteio que sustentará outras duas camadas.

Sem verdade não há reputação; sem reputação não há negócio.

Cinquenta gramas na embalagem, cinquenta gramas na balança. E ponto final. O airbag do carro tem que funcionar para o cliente contar a história. Benefícios funcionais de qualquer produto ou serviço devem ser concretos e efetivos. Devem funcionar! E ponto final.

Marketing mentiroso não é marketing. Nunca foi e nunca será.

Antes de ser marketing, isso é enganação, ilicitude, delito ou qualquer outra coisa nesse gênero. Temos que varrer para sempre esse entulho da estrada do marketing. Como professor, consultor e palestrante em temas ligados ao marketing fico muito incomodado quando ouço essa frase, sempre desferida em tom depreciativo: “isso é marketing”. Traduzindo: “cuidado, o melhor a fazer é desconfiar”

A segunda camada é ter capacidade de entrega. Significa entregar ao cliente o que é prometido, eliminando o gap entre imagem e experiência. É sempre mais fácil criar uma imagem que entregar uma experiência.

Esse conhecido gap (infelizmente não é tão raro…) acontece quando belos anúncios seduzem, convidam ao deleite do consumo, mas “ao vivo e a cores” a experiência resulta frustrante, muito aquém da imagem projetada. Quando isso acontece o jogo está perdido em marketing. Com tantas marcas e ofertas disponíveis no mercado, com um click deletamos a incoerência; pior, podemos espalhar nossa indignação nas redes sociais. A mais eficiente e direta forma de comunicação que uma empresa pode ter com o seu cliente é o produto ou serviço em uso. Portanto, é preciso cuidar muito bem da interface produto-cliente. Ao final do dia, a experiência é o que conta. Criativas campanhas de marketing alavancam imagem e tornam as marcas mais amigas e empáticas no nosso dia a dia. Mas só se conquista relevância com coerência.

A marca deve ser entendida como um conjunto de experiências vivenciadas por diferentes stakeholders. Costumo dizer que o sucesso ou fracasso de uma marca dependerá da qualidade dessas experiências. Marketing sem coerência é frágil, dura apenas uma campanha promocional.

Por último, o nosso piso da reputação em marketing agora está pronto para receber a terceira camada: a consistência.

Marketing inconsistente é aquele que surpreende de forma negativa. Isso ocorre quando a empresa, diante das intempéries da competição, oscila na capacidade de sustentar uma proposta de valor consistente. As marcas mais longevas estão aí para mostrar o valor da consistência.

Marcas consistentes não descuidam da qualidade, jamais deixam de manter relacionamento com os clientes, antes e depois da venda. Marcas consistentes têm DNA forte, não ultrajam a essência da proposta de valor (relação custo-benefício) oferecida ao mercado. Já imaginou a 3M vendendo um produto com baixa qualidade funcional? Marcas consistentes sobrevivem às crises e nunca abandonam seus clientes. O ambiente competitivo vai continuar mudando com velocidade e profundidade. Enquanto isso, o marketing consistente não deixa a marca envelhecer ou perder relevância.

Como fazer a ponte para transpor o abismo entre marketing & reputação?

Proponho algumas recomendações simples, mas provocativas. Espero que entrem para a agenda de marketing de qualquer negócio.

Calce os sapatos do cliente: Marketing começa com essa premissa. É o que eu chamo de marketing empático. É o primeiro degrau da escada. Paixão pelo cliente só se justifica se a empresa tiver a capacidade de pensar e agir como o cliente. Se a empresa não for capaz de se colocar no lugar do cliente, deve esquecer marketing e se dedicar apenas a ser produtiva e tentar sobreviver, cobrando um preço menor. E deve torcer para que essa equação dê certo. Ao final do dia, um competidor mais eficiente e inteligente pode ser melhor em produtividade e também no quesito atenção ao cliente. O inimigo mora ao lado.

Estratégia do Negócio & Estratégia de Marketing devem estar bem alinhadas: A Estratégia está no galho de cima. Marketing, no galho de baixo. Essa árvore só dá bons frutos quando o Marketing é capaz de fortalecer a estratégia ou o direcionamento macro da empresa. Em outras palavras, o Marketing deve trabalhar cada produto ou serviço respeitando as diretrizes macro e os valores essenciais da empresa.

Estratégia é macro, Marketing é micro, mas deve amplificar o macro. Simples assim. Estratégia de Operações & Estratégia de Marketing devem se casar em regime de comunhão de bens: O dueto promessas & entregas tanto alavanca quando derruba o marketing e a reputação de uma empresa. “Nadar, nadar e morrer na praia”, esse velho ditado cai como uma luva para explicar o desafio da entrega em marketing.

Empresas inteligentes jamais descolam as estratégias de Operações das estratégias de Marketing. Com isso, garantem consistência na entrega das propostas de valor. Imagine essa situação: “Tem Coca Cola?”, pergunta o cliente. Responde o atendente: “Tem, mas acabou”. A pergunta que não quer calar: esse é um problema de Operações ou de Marketing? É claro que a origem do problema está em Operações (ruptura é pecado mortal no varejo). Mas a conta será paga por Marketing & Vendas, ou seja, uma venda perdida em um mercado de compra por impulso. Além do custo da frustração do consumidor, ou seja, a imagem da empresa também pagará um preço pela incapacidade de entrega.

Marketing & Finanças não devem ser inimigos funcionais: Gestores de marketing e gestores de finanças deveriam se entender melhor em prol da empresa e dos clientes. Por que digo isso? Justamente porque tenho visto ainda muito isolamento funcional e divergência de pensamento estratégico entre as duas áreas. A calculadora financeira HP 12C não é capaz de entender insights de consumo; por outro lado, as estratégias de marketing devem agregar valor ao negócio.

Ainda vejo casos de empresas em que a reputação interna do marketing está em xeque mate justamente por essa suposta falta de accountability da área nas questões financeiras. Não raro sou interpelado em programas de treinamento de executivos com questões do tipo: “como medir o retorno financeiro das ações de marketing?”.

Ora, para empresas competentes e bem orquestradas em marketing & finanças, essa é uma pergunta básica e a resposta deve ser simples e direta. Os investimentos em marketing para alavancar vendas devem gerar retorno financeiro positivo, em uma análise de fluxo de caixa (VPL – Valor Presente Líquido positivo no jargão de finanças).

Em outras palavras, a reputação interna da área de marketing deve ser construída também por essa via, onde a equação de valor seja um balizador de decisões estratégicas. Há muitos bons livros de marketing com ênfase em finanças e que jogam luzes sobre essa área ainda sombria na gestão de valor. É preciso equilibrar bem o velho adágio em business: give me the money & show me the money.

Gestão da Reputação & Gestão de Marca em sinergia: A gestão da reputação felizmente tem sido prática cada vez mais presente nas empresas. Gestores estratégicos entendem a complexidade das demandas do presente, por parte de diferentes stakeholders e, ao mesmo tempo, miram o futuro na busca de sustentabilidade e perpetuidade do negócio. Como entra o marketing nesse contexto?

Marketing deve exercer um papel relevante na construção da plataforma de reputação da empresa, ao orquestrar uma estratégia de branding alinhada com a identidade e valores distintivos da organização. A marca corporativa deve ser entendida como a identidade projetada da empresa. Branding começa dentro de casa. A ideologia empresarial não existe para figurar em pôsteres nas paredes da empresa. Se ela não pulsar nas pessoas, nada feito.

O caminho da construção de reputação estará seriamente bloqueado pelo que chamo de “barreira de identidade”. Convenhamos, remover essa barreira dá muito trabalho. Depende de um denso alinhamento interno, de muita transparência e de um competente trabalho de comunicação interna. Reputação é um julgamento de diferentes imagens da empresa, formadas por diversos stakeholders com diferentes urgências e interesses.

Nessa complexa teia, branding é algo muito sério. Todo profissional de marketing deve “deixar essa ficha cair” para orientar os planos de comunicação institucional e promocional.

Branding relevante é aquele que cuida da reputação da empresa

Pavimentar a estrada e construir a ponte para transpor o abismo entre marketing & reputação é uma tarefa complexa de engenharia estratégica. O marketing complacente e servil (aquele que só sabe pedir orçamento e não entrega valor para a empresa) certamente não conhece essa engenharia. Tão pouco o marketing insensível e arrogante (aquele que não sabe calçar os sapatos do cliente) será capaz de empreender a obra porque lhe faltará visão holística.

Nessa difícil estrada a sintonia fina entre Marketing & Reputação abrirá portas valiosas para a empresa.

E isso me fez lembrar o que os Beatles cantaram um dia, para sempre:

The kong and winding road

that leads to your door

will never disappear

I’ve seen that road before

it always leads me here

lead me to your door

Sua empresa está preparada para seguir em frente?

* Leonardo Araújo é consultor, professor e palestrante nas áreas de marketing, estratégia e inovação. Desde 2007 pesquisa a proatividade empresarial e é coautor de 2 livros sobre o tema: a) Empresas Proativas: Como antecipar mudanças no mercado (Campus Elsevier, 2011), um dos ganhadores do Prêmio Jabuti 2012; a edição em inglês Proactive Companies (Palgrave Macmillan, 2012) foi indicada ao Prêmio Marketing Book of the Year 2012; b) Estratégias Proativas de Negócio (Campus Elsevier, 2014).