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Pavimentando o caminho entre Marketing e Reputação

Por que a imagem do marketing algumas vezes (não raras, infelizmente) está associada a expressões populares do tipo “vender gato por lebre” ou “dourar a pílula”. Convenhamos, frases desse calibre são torpedos indigestos para quem trabalha com marketing. Mas onde está a origem do problema? O que causa tanta desconfiança? Como pavimentar o caminho entre o marketing e a reputação da marca ou da empresa?

Algumas respostas estão na própria comunicação inadequada de marketing: a “dieta milagrosa das seis semanas”, o “suco que vai desintoxicar seu organismo“, o “curso que transforma a sua vida”, a “receita para se tornar um milionário”. E por aí seguem as promessas…

Nada contra exaltar os benefícios do produto, os apelos promocionais e a criatividade na comunicação de marketing. Não se trata, portanto, de abolir metáforas ou de enquadrar as mensagens de marketing em parâmetros rigidamente cartesianos. Mas ter compromisso com a verdade é algo fundamental e inegociável. É por onde começa o caminho entre o marketing e a reputação. Representa a primeira camada de pavimentação da estrada.

A verdade é a base ou esteio que sustentará as outras duas camadas. Sem verdade não há reputação; sem reputação não há negócio. Cinquenta gramas na embalagem, cinquenta gramas na balança. E ponto final. Além disso, os benefícios funcionais de qualquer produto devem ser efetivos. O airbag do carro tem que funcionar para o cliente contar a história.

Marketing mentiroso não é marketing. Nunca será. Antes, é enganação, ilicitude, ou qualquer outra coisa nesse gênero. Temos que varrer para sempre esse entulho da estrada do marketing. Todos os profissionais de marketing devem zelar por isso.

Vamos falar da segunda camada: capacidade de entrega. Significa entregar ao cliente o que é prometido, eliminando o gap entre imagem e experiência. É sempre mais fácil criar uma imagem do que entregar uma experiência.

Essa conhecida armadilha acontece quando belos anúncios seduzem, convidam ao deleite do consumo, mas “ao vivo e a cores” a experiência resulta frustrante, muito aquém da imagem projetada. Quando isso acontece, o jogo está perdido. Com tantas marcas e ofertas disponíveis no mercado, com um clic deletamos a incoerência e, pior, podemos espalhar nossa indignação nas redes sociais.

A mais eficiente e direta forma de comunicação que uma empresa tem com o cliente é o seu produto ou serviço em uso. Portanto, é preciso cuidar muito bem da interface produto-cliente. Ao final do dia, a experiência é o que conta. Criativas campanhas de marketing alavancam imagem e tornam as marcas mais empáticas.

Mas só se conquista a relevância com coerência. A marca deve ser entendida como um conjunto de experiências vivenciadas por diferentes stakeholders. Costumo dizer que o sucesso ou fracasso de uma marca dependerá da qualidade dessas experiências. Marketing sem coerência é frágil, dura apenas uma campanha promocional.

Por último, a estrada entre o marketing e reputação agora está pronta para receber a terceira camada: consistência.

Marketing inconsistente é aquele que surpreende de forma negativa. Isso ocorre quando a empresa, diante das intempéries da competição, oscila na capacidade de sustentar uma proposta de valor. As marcas mais longevas estão aí para provar o valor da consistência.

Marcas consistentes não descuidam da qualidade, jamais deixam de manter relacionamento com os clientes, antes e depois da venda. Marcas consistentes têm DNA forte, não ultrajam a essência da proposta de valor (relação custo-benefício) oferecida ao mercado.

Marcas consistentes sobrevivem às crises e nunca abandonam seus clientes. Nestes novos tempos de transformação digital, o ambiente competitivo vai continuar mudando. Enquanto isso, o marketing consistente não deixa a marca envelhecer ou perder relevância.

Além de pavimentar o caminho nessas três camadas, como evitar rupturas ou desvios inoportunos na rota entre o marketing e a reputação? A seguir, apresento cinco recomendações. Espero que entrem para a agenda de marketing de qualquer negócio.

1. Calce os sapatos do cliente

Marketing começa com essa premissa. É o que eu chamo de “marketing empático”. É o primeiro degrau da escada. Paixão pelo cliente só se justifica se a empresa tiver a capacidade de pensar e agir como o cliente.

Se a empresa não for capaz de calçar os sapatos do cliente, deve esquecer marketing. Resiliência é o nome do jogo. A falta de centralidade no cliente leva a empresa a focar apenas o produto e ser mais produtiva para garantir margens. Entretanto, ao final do dia, um competidor mais inteligente e sensível poderá ser melhor em produtividade e também na atenção ao cliente. O inimigo mora ao lado.

2. A estratégia do negócio e a estratégia de marketing devem estar bem alinhadas

A estratégia do negócio está no galho de cima; o marketing, no galho de baixo. Essa árvore só dá bons frutos quando o marketing é capaz de fortalecer a estratégia corporativa, respeitando macro diretrizes do negócio e os valores essenciais da empresa.

3. Sintonia fina entre a estratégia de operações e a estratégia de marketing

O dueto promessas-entregas tanto alavanca quanto derruba o marketing e a reputação de uma empresa. “Nadar, nadar e morrer na praia”, esse velho ditado explica o desafio da entrega de valor e de boas experiências em marketing.

Empresas inteligentes jamais descasam as estratégias de operações das estratégias de marketing. Com isso, garantem consistência na entrega da proposta de valor ao cliente.

4. A áreas de marketing e de finanças não devem ser inimigas funcionais

Gestores de marketing e gestores de finanças deveriam se entender melhor em prol da empresa e dos clientes. Por que digo isso? Justamente porque ainda tenho visto muito isolamento funcional e divergência de pensamento estratégico entre as duas áreas.

As calculadoras financeiras não são capazes de entender insights de consumo. Por outro lado, as estratégias de marketing devem agregar valor econômico ao negócio. Existem casos em que a reputação interna do marketing está em xeque mate justamente por essa falta de habilidade técnica da área nas questões financeiras.

Não raro sou interpelado em programas de treinamento de executivos com questões do tipo: “como medir o retorno financeiro das ações de marketing?” Ora, para empresas competentes e bem orquestradas em marketing & finanças, essa é uma pergunta básica, cuja resposta é essa: os investimentos em marketing devem gerar retorno financeiro positivo, entregando valor para acionistas ou investidores.

5. Deve haver sinergia entre a gestão da reputação e gestão da marca

No contexto da gestão ESG, a gestão da reputação felizmente tem sido prática cada vez mais presente nas empresas. Gestores estratégicos entendem a complexidade atual das demandas de diferentes stakeholders e, ao mesmo tempo, miram o futuro em busca da sustentabilidade e perpetuidade do negócio. Como entra o marketing nesse contexto?

Marketing deve exercer um papel relevante na construção da plataforma de reputação da empresa, ao orquestrar uma estratégia de branding alinhada com a identidade e valores distintivos da organização. A marca corporativa deve ser entendida como a identidade projetada da empresa.

Branding começa dentro de casa. A ideologia empresarial não existe para figurar em quadros nas paredes da empresa. Se ela não pulsar nas pessoas, nada feito. O caminho da construção de reputação estará seriamente bloqueado pelo que eu chamo de “barreira de identidade”.

Remover essa barreira dá muito trabalho. Depende de um denso alinhamento interno, de muita transparência e um competente trabalho de comunicação. Reputação é um julgamento de diferentes imagens da empresa, formadas por diversos stakeholders, com diferentes urgências e interesses. Branding relevante é aquele que cuida da reputação da empresa.

Como vimos, pavimentar o caminho entre o marketing e a reputação é uma tarefa complexa. O marketing despretensioso e servil ao mercado certamente não está preparado para encarar os desafios dessa tarefa. Tão pouco o marketing arrogante e cego será capaz contribuir de forma efetiva, pois lhe faltará visão holística.

Resumo da jornada: a sinergia entre marketing & reputação abre caminhos valiosos para a empresa.

* Leonardo Araújo é consultor e professor nas áreas de estratégia, marketing e inovação. Atua também como membro de Conselhos de Administração. Há dez anos pesquisa a proatividade empresarial e é coautor de 3 livros sobre o tema.