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Construindo pontes entre o Brasil e a América Latina

“Seu desafio será coordenar remotamente uma equipe de cinco países diferentes da América

Latina e entregar ao cliente um plano de comunicação coeso com resultados distribuídos por


toda a região”.
Ao ouvir essas palavras do diretor-geral da consultoria em que fui trabalhar em 2017, eu não poderia imaginar o que estaria por vir.

O novo cliente em nosso portfólio apresentava não somente uma oportunidade de

desenvolvimento de trabalho que integrasse os escritórios da companhia, mas também um

desafio para mim, que apesar de já possuir amigos de países vizinhos, estava prestes a viver

uma experiência profissional nova.

Em 2012/13 morei na Espanha para cursar um mestrado em Direção de Comunicação

Corporativa e minha sala de aula estava repleta de distintas nacionalidades latino-americanas

(Honduras, República Dominicana, Panamá, México, Venezuela, Equador, Peru, Uruguai e

Colômbia) e poucos espanhóis – que buscavam um diferencial para conseguir sair das

estatísticas assombrosas do momento: 50% dos seus jovens estavam desempregados no ápice da pior crise do país no século XXI.

Em tom de brincadeira, meus colegas se referiam ao Brasil como ‘la isla’, por inúmeras vezes falarem de assuntos dos quais eu não tinha conhecimento e que para eles eram comuns. Claro que a questão vem desde a colonização, porém, me impressionou constatar que somos um país distante, mesmo dividindo fronteira com grande parte deles. Ainda com as várias diferenças e obviamente a história característica de cada civilização, percebi que meus colegas compartilhavam muito além do idioma, como por exemplo a cultura popular (músicas, propagandas, ditados, folclore, brincadeiras infantis). Nós, por outro lado, principalmente na região sudeste, temos pouca memória recente dividida com nossos ‘hermanos’. Mesmo com essa vivência, demorei algumas semanas após o início do projeto regional para assumir que precisava deixar de ser uma ‘ilha Brasil’ e arregaçar as mangas para construir pontes e me aproximar dos meus colegas latinos.

O alicerce principal foi o reconhecimento do valor dos inputs locais para cada ação criada no

Brasil. “Isso faz sentido para vocês?” – era a primeira pergunta a ser feita após apresentar uma

ação. A partir daí que então analisaríamos os próximos passos, fosse a adequação de conteúdo à realidade local, a sugestão de uma nova estratégia ou até mesmo a proposta de um calendário de implementação diferente.

Um dos pontos altos do nosso alinhamento foi a série eventos de engajamento com a

imprensa e influenciadores, em que realizamos “experiências gastronômicas”. Sem saber em

detalhes o que lhes esperava, os convidados e executivos do cliente foram instruídos a

preparar a sua própria refeição, lado a lado. Ao mesmo tempo, por meio de analogias,

conseguimos transmitir os pilares do novo conceito global da companhia.

Apesar da proposta ter sido construída no Brasil, os consultores a adaptaram conforme sua

realidade local, mas mantendo a essência do conceito. Exemplos: México realizou o evento no

mês seguinte ao da maioria; na Argentina escolhemos um restaurante reconhecido por uma

iguaria local, jacarés; no Peru os participantes prepararam coquetéis ao invés de uma refeição.

Em poucos meses seguindo uma linha de trabalho de retroalimentação constante, conseguimos apresentar resultados relevantes em todos os países em que a empresa operava,

uma das queixas do cliente sobre o antigo atendimento. Depois de um ano e meio, recebemos a chancela de alguns dos principais prêmios de comunicação, levando pra casa os prêmios Sabre e Aberje (Regional e Nacional) pelo trabalho realizado com esse cliente na América Latina. Além disso, fomos finalistas do Prêmio Jatobá e Latin American Excellence Awards.

A correria do dia a dia é inimiga da boa comunicação entre equipes que trabalham

remotamente. Pela praticidade e rapidez, você pode optar pelo seguro e já conhecido, e é aí

que mora o perigo. O aprendizado que fica para mim é que é preciso estar constantemente

aberto para ouvir, evitando a qualquer custo vias únicas e impositivas, sobretudo ao trabalhar

com outras culturas. É necessário flexibilidade para abrir mão de ideais, pois nem sempre o

que dá certo no seu país funcionará em outros, mas também ousadia para provar o novo. O

resultado é um trabalho mais rico e plural, repleto de sabores e nuances originais, que

refletem, seguramente, em mais prazer e crescimento pessoal aos envolvidos.

* Naira Feldmann é consultora sênior na LLORENTE & CUENCA