Guerras de narrativas afetam o desempenho das empresas
Guerras de narrativas e porta-vozes despreparados afetam o bolso, a imagem e a reputação das organizações e de seus representantes em tempos de pandemia – e de gestão de crise. Como evitar esses problemas?
Sair ou não sair da quarentena? Fazer isolamento vertical ou horizontal? O lockdown será necessário? Máscaras são obrigatórias para todos? Essas são algumas perguntas sobre a pandemia da covid-19 que ainda causam divergência de opiniões. A falta de consenso – e de uma orientação única vinda da esfera federal – pode trazer colapso ao sistema de saúde e já tem gerado insegurança e até comportamentos opostos dos brasileiros.
O maior exemplo disso é o aumento do número de pessoas que ignoraram a orientação de manter o isolamento social e voltaram às ruas, recentemente. Mesmo com os números oficiais mostrando que o vírus avança. Como se não bastasse esse inimigo novo e invisível que precisamos combater, estamos enfrentando esse outro, velho conhecido, mas muitas vezes ignorado: o da guerra de narrativas e de discursos desconexos, que deixa a população dividida e que pode, sim, ser devastador e destruir empresas e empresários, em muito menos tempo do que se imagina.
Nas empresas, o impacto das informações divergentes tem poder devastador e imediato. Ruídos de comunicação podem causar danos irreversíveis para as organizações. Em tempos turbulentos, a falta de uma narrativa única e consistente – especialmente entre a alta liderança – gera estragos ainda maiores. Isso sem falar nos depoimentos desastrosos de empresários e executivos mal preparados, que ganham inimigos pelo mundo, caindo em desgraça nas mídias sociais e causando repúdio às marcas e instituições que representam, com falas que agridem o bom senso e a cidadania.
E diante de um cenário corporativo novo, mais volátil e repleto de incertezas, comunicar bem passa a ser um diferencial competitivo ainda mais valioso, não só para o CEO da companhia, mas para todos os porta-vozes que dialogam e querem construir relacionamentos de longo prazo – e de confiança – com os mais diversos públicos.
A começar pelo público interno. O pior que pode acontecer em uma organização – além da crise em si – é quando o funcionário recebe orientações diferentes da liderança. Se o chefe direto diz para seguir um caminho e o presidente da empresa fala o contrário: em quem devo acreditar? Qual deles seguir? Qual a direção correta? Orientações desencontradas paralisam, geram ansiedade, desconfiança, medo e muitas vezes o próprio caos.
Mensagens não alinhadas, especialmente vindas do topo da organização, deixam as pessoas confusas, afetam o ambiente de trabalho, impactam no engajamento. Perde-se produtividade e credibilidade. E acaba acontecendo, dentro dos portões corporativos, o que infelizmente estamos vendo hoje nesta pandemia, em todas as classes sociais da população brasileira: enquanto uns estão seguindo a orientação do confinamento social e evitam contato físico, outros se arrumam para ir ao baile funk ou preparam festas em suas casas.
E o que dizer das empresas que se comunicam com seus públicos externos de forma desconexa? Imaginem uma reunião de resultados, com investidores. Se a narrativa do CEO, do CFO e dos líderes porta-vozes não for clara, única, consistente e convergente, ela vai gerar insegurança. E insegurança de investidor, gerada por declarações de uma companhia de capital aberto, por exemplo, pode derrubar as ações da empresa na bolsa de valores.
E se o público-alvo for a mídia, e uma entrevista na coletiva de imprensa despertar dúvidas, especulações e incertezas, o efeito cascata vai se alastrar em questões de segundos, especialmente em tempos de mídias sociais, afetando a credibilidade da empresa diante de toda a sociedade. Ou seja, a guerra de narrativas e porta-vozes mal preparados afetam o bolso, a imagem e a reputação das organizações e de seus representantes.
Esse certamente é um dos principais aprendizados não só desta pandemia, mas de toda gestão de crise: a comunicação mal feita é um vírus avassalador que também pode matar empresas e empresários. E dentro das organizações, espera-se cada vez mais que o líder de comunicação seja o maior aliado do CEO e da alta liderança para, juntos, combaterem esse mal: definindo uma plataforma de reputação que traduza, para todos os públicos, uma narrativa robusta, consistente e fácil de ser entendida e percebida; um posicionamento que tenha como base um propósito maior, que consiga se conectar com as pessoas, gerando empatia e acolhimento, e que seja transmitido em rituais periódicos e canais de interação que estimulem presidentes e líderes a estarem mais próximos de seus times e dos públicos com os quais se relacionam.
Que sejam porta-vozes cada vez mais bem preparados e alinhados, com uma só voz, capazes de garantir que o diálogo se construa de forma consistente, genuína, constante e inspiradora; que gere confiança, engajamento e credibilidade. Para que todos possam caminhar na mesma direção: seja para continuar no isolamento ou se preparar para o baile funk.
(Artigo originalmente publicado na Época Negócios, no dia 20/04/2020, com o título “Afinal, continuo no isolamento ou posso ir ao baile funk?” e cedido à Revista da Reputação pela autora Malu Weber.)
*Malu Weber é jornalista, executiva de Comunicação Empresarial e Professora de Gestão de Reputação na ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing.