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Negras e negros são ativos reputacionais na sua empresa?

Por Isabel Clavelin* para a edição 14 da Revista da Reputação, Maio de 2023.

Negras e negros nas empresas brasileiras ainda se deparam com o funil racista em processos seletivos, que hierarquizam racialmente postos de trabalho, oportunidades de progressão de carreira e melhor remuneração pelos padrões do racismo à brasileira. Como já nos advertiu Lélia Gonzales, o racismo no Brasil se estrutura no modo de viver diversas experiências e campos da vida, o que inclui cultura organizacional e vida corporativa.

Profissionais negras e negros são menos de 3% em cargos de diretoria e gerência, de acordo com dados do IBGE (2020), representando três vezes menos do vivenciado por mulheres brancas e homens brancos. Estes dados se contrapõem ao contingente negro de 56% da população brasileira e ao ascendente ingresso de negras e negros pelo sistema de cotas nas universidades brasileiras: 21,9% em 2000, e 43,7% em 2021. Em 2019, 18,3% de negras e negros já constavam entre as pessoas concluintes nas universidades públicas, embora o dado seja duas vezes menos do que brancas e brancos: 36,1%.

Com a redução das assimetrias raciais pelo aumento da escolarização superior de negras e negros, o funil racista se acirra no mundo do trabalho, especialmente no ambiente corporativo privado, onde estão concentrados 9,7 milhões de postos de trabalho no comércio e 7,7 milhões na indústria. Estes dois setores – que seguem a liderança do setor público com 12,3 milhões de profissionais e possibilitam melhor trabalho que o doméstico, categoria composta por quase 6 milhões de pessoas, entre elas cerca 90% de mulheres e mais de 60% de mulheres negras –, são estratégicos não somente para o desenvolvimento da economia nacional, mas para a transformação da vida de milhões de brasileiras e brasileiros de origem negra, maioria na informalidade e no desemprego: 64% entre desocupadas, 66% entre subutilizadas (PNAD, 2019). Negras e negros são 61% entre as mais de 39 milhões de pessoas na economia informal (PNAD, 2022).

Diante do quadro de realidade racista, que se cristalizou em retratos de times corporativos e paisagens de empresas urgem, portanto, perguntas condutoras de incômodos para romper silêncios e estimular a busca por soluções para cada empresa brasileira: onde estão negras e negros na sua companhia? Que oportunidades precisam ser abertas para eliminar obstáculos impostos pelo racismo e pelas desigualdades de gênero, que inviabilizam equipes plurais na sua empresa?

Na história das políticas corporativas inclusivas na perspectiva étnicorracial, os ambientes organizacionais se tornaram menos concentrados para a branquitude, na década de 1990, com a adoção das políticas de diversidade, lideradas por multinacionais. A bem-sucedida estratégia de políticas de ações afirmativas de empresas com sede nos Estados Unidos e até de origem europeia provocava, assim, no Brasil, certo deslocamento de postos de trabalho e criava o ambiente discursivo para incorporar no setor privado o debate sobre diversidade racial. Na década de 2000, as políticas de responsabilidade social abarcaram certo reforço ao quadro observado na década anterior, incluindo métricas valoradas como ativo racial no quadro de colaboradoras e colaboradores negros em bolsas de valores e práticas como mentorias e ações afirmativas internas para o alcance de tais resultados. Nessa esteira, a Conferência de Durban propiciou que demandas históricas do movimento negro, para enfrentamento do racismo no mundo do trabalho e na educação, por exemplo, compusesse um conjunto de propostas apresentadas pelo Brasil na terceira conferência das Nações Unidas contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas. Fazia-se, assim, avançar arcabouço de medidas para inclusão de negras e negros no ensino superior, reserva de vagas para negros e negras no serviço público e de empresas terceirizadas com contratos com a administração pública federal.

Mais de 20 anos depois, as mobilizações em torno da pauta ESG esboçam inócuos resultados se não articuladas ações para a eliminação do racismo e assimetrias de gênero, o que vem ganhando certo relevo por meio de iniciativas como o Pacto de Equidade Racial, protocolo ESG Racial e métricas, tal como o Índice ESG de Equidade Racial, para aferir equilíbrio e desequilíbrio racial nas empresas. Ao longo desses 30 anos brevemente esboçados aqui, é perceptível como novidade a ousadia de algumas empresas para enfrentar o chamado “mito da democracia racial” e construir caminhos próprios para eliminar o racismo, como programas de trainees exclusivo para negras e negros e chamadas específicas para a contratação de profissionais pretas e pretos. Forjaram, por conseguinte, uma trajetória auspiciosa em reputação por reconhecerem profissionais negras e negros como ativo organizacional não somente para diversificar postos para potenciais executivas e executivos, aumentar representatividade racial, mas por compreender que eliminar o racismo internamente é atuar para acabar com o racismo em todo o ciclo produtivo do negócio.

Trata-se de decisão estratégica – por vezes, resultante de embates acirrados nas instâncias de lideranças e até mesmo conselhos –, o que inscreve negras e negros no signo da vitalidade. Como pondera Sueli Carneiro, no dispositivo da racialidade, o signo da vitalidade é o que se contrapõe ao signo da morte (racismo). Porque ao afirmar negras e negros como a sua potencialidade de ser vital, valoriza a riqueza técnica-corporativa de profissionais negras e negros, incluindo efetivamente entre os postos de trabalho valorosos que podem fazer negócios mais prósperos e criativos, distanciando-se do paradigma corporativo corroído pelo racismo, que não somente hierarquiza a força colaborativa, mas elimina as oportunidades de fazer valer inovação de negócios e transformação da economia. Na ação antirracista organizacional, vimos surgir as bases para novos ativos reputacionais para setores econômicos, os quais possibilitam realidade para a regeneração da economia brasileira.

* Isabel Clavelin é jornalista, doutora em Comunicação pela UnB, assessora de comunicação e professora universitária. É também dirigente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS e ativista do movimento de mulheres negras.