Reputação do cinema brasileiro está em franca construção
Quando me apresento como atriz brasileira no exterior encontro algumas resistências. A atuação brasileira ainda tem uma reputação semelhante à da novela mexicana: dramalhões, choro falso, pessoas belíssimas em intrigas familiares ou triângulos amorosos sem muito pé nem cabeça. E assim é um pouco a reputação do latino americano, em geral, no exterior: pessoas bonitas, festeiras, alegres, mas excessivamente dramáticas e temperamentais, com pouco profissionalismo. Mas, de fato, das pessoas que possuem essa impressão dos artistas brasileiros, poucas tiveram uma experiência em trabalhar com um artista brasileiro. Nem mesmo viram um conteúdo nacional. Portanto, essa reputação é fácil de mudar.
Quando falamos em cinema brasileiro ainda encontramos um grande ponto de interrogação. Tivemos poucos casos que ficaram conhecidos internacionalmente, como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que em 2004 chegou ao ouvido do público internacional com suas quatro indicações ao Oscar (melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor fotografia), mas são tão poucos os casos de sucesso internacional que juntos não chegam a formar uma imagem do cinema brasileiro para o espectador médio. A reputação do cinema brasileiro para o público médio ainda está para ser construída. E as plataformas de streaming podem ajudar neste processo.
A forma na qual eu vejo o crescimento do cinema brasileiro fora do Brasil é percebendo a quantidade de filmes brasileiros que tem sido selecionados para festivais, inclusive cinco selecionados para o festival de Cannes deste ano, um número que fez com que a revista Variety chamasse de “presença impressionante em Cannes”: “Bacurau” e “O Traidor” (co-produção italiana) concorreram à Palma de Ouro, “Bacurau” ganhando o prêmio do Juri, e “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, que ganhou o prêmio Um Certain Regard. Também foram mostrados “Sem seu sangue”, de Alice Furtado, e “Indianara”, de Marcelo Barbosa, em mostras não-competitivas. Se compararmos com os últimos 10 anos, certamente, houve um crescimento. Em 2016, “Aquarius”, também de Kleber Mendonça Filho e em 2012 “Na Estrada”, um filme brasileiro-francês-canadense dirigido por Walter Salles, foram os únicos filmes selecionados para a seleção para concorrer à Palma de Ouro. A última vez que o Brasil teve uma presença semelhante foi há onze anos, em 2008, com dois filmes selecionados para a Palma de Ouro e um prêmio para a atriz Sandra Corveloni. Mas esse ano foi a primeira vez que o Brasil ganhou dois prêmios no festival.
No Festival de Sundance, mais importante festival de cinema dos Estados Unidos (o Oscar, ou oficialmente “Prêmios da Academia”, é uma cerimônia de premiação e não um festival onde os filmes são exibidos), também se vê um crescimento claro da presença brasileira nos últimos cinco anos: 2014 não teve nenhum filme brasileiro selecionado, 2015 apenas um, 2016 novamente nenhum e 2017 também só um. Mas em 2018 tivemos três filmes selecionados (“Benzinho”, de Gustavo Pizzi, “Ferrugem”, de Aly Muritiba e “The Cleaners”, do alemão Moritz Riesewieck, co-produção Alemanha-Brasil) e, em 2019, quatro (“Divino Amor”, de Gabriel Mascaro, “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, “O Mistério da Carne”, de Rafaela Camelo e “Abe”, de Fernando Grostein Andrade).
Mas o público de festivais de cinema é um nicho. Quem quer ir para um festival precisa planejar uma viagem, ingressos, hotel, e o evento dura pouco tempo, de forma que quem perder, perdeu. Então a ida a festivais ainda não quer dizer que filmes brasileiros estão chegando ao grande público internacional via salas de cinema porque, até para pessoas que ativamente procuram assistir filmes brasileiros fora do Brasil como eu, é difícil encontrar onde assistir cinema nacional. Filmes brasileiros ainda não possuem uma grande distribuição internacional comparada com a dos filmes americanos (e nem uma verba semelhante à dos grandes estúdios hollywoodianos, o que nem faria sentido ter porque o português não é uma língua tão internacionalmente falada quanto o inglês). Porém, é inegável que a ida a festivais aguça a curiosidade das pessoas sobre os filmes.
Um ponto positivo neste quebra-cabeça é que talvez não precisamos mais nos preocupar com distribuição para salas de cinema. Hoje os cinemas estão perdendo audiência para as plataformas de streaming. A Netflix ainda não disponibiliza dados sobre a audiência, então me baseio na minha própria experiência e boca-a-boca: Perguntam “Você viu 3%?” (Netflix), “E Magnífica 70?” (HBO), “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, mesmo diretor de Bacurau, está disponível para streaming na Netflix. “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, também foi anunciado pela plataforma. O conteúdo que está chegando ao grande público internacional é formado pelas grandes produções de séries e alguns dos filmes que tiveram reconhecimento pela crítica internacional e estão causando uma boa impressão. Assim, também espero que mais filmes que estão rodando internacionalmente em festivais comecem a ser veiculados de forma acessível ao grande público. Não só para que brasileiros morando fora do país possam assistir, mas porque as obras que chegarem ao grande púbico internacional nessa leva serão aquelas que vão estabelecer a reputação do cineasta brasileiro e estou bem otimista que essa reputação não será ruim.
Ao mesmo tempo, morando em Tóquio e tendo morado antes em Nova York (me formei pelo William Esper Studio e atuei em teatro nos Estados Unidos), vejo fora do Brasil um enorme conjunto de talentos brasileiros gerando qualidade para obras e empresas estrangeiras. Essas pessoas não só ajudam a expandir a reputação do cineasta brasileiro fora do país, mas também existe otimismo se elas voltarem ao Brasil: essas pessoas voltam trazendo técnicas que podem contribuir para o crescimento artístico do mercado nacional. Apesar da crise e das notícias ruins sobre o nosso país, o atual sucesso artístico do cinema brasileiro abre uma esperança para a construção de uma nova reputação internacional.
* Paula Berwanger é uma atriz brasileira com atuação em TV, cinema e teatro e que produz e dirige seus projetos independentes.
** Foto: Hiraku Suzuki.