Que lições aprendemos com a Samarco?
A primeira lição que aprendemos com o rompimento da barragem da Samarco, em novembro, é que mesmo fazendo um trabalho de mitigação de riscos, as empresas não estão livres de fatalidades. Seja por falhas nos processos, por problemas que não são comunicados, pela cultura que preza somente pela excelência e deixa os executivos em uma espécie de cegueira para problemas que batem à porta, ou por qualquer outra razão, inclusive as relacionadas à natureza.
Mas, ainda assim, e pela certeza de que novos acidentes ocorrerão, é preciso se debruçar sobre esta tragédia e seus desdobramentos para tirar lições que possam melhorar o gerenciamento de riscos e a resposta à crise no futuro.
O intuito deste artigo não é vilanizar a Samarco. Aliás, o comportamento citado é visto com frequência em casos de crises de imagem. Sem negar que a empresa também teve os seus acertos, como resposta rápida à crise e a abertura para diálogo, que poderia ter sido maior, mas que em comparação com outras crises ocorridas do Brasil não comprometeu.
Os mapeamentos de risco não contemplam a totalidade
De acordo com seu Relatório de Sustentabilidade, em 2014, a Samarco promoveu mais de 30 seminários de avaliação de riscos, mapeando 24 riscos considerados materiais e 48 riscos não materiais, para os quais foram enumeradas mais de 500 iniciativas para tratamento. Na esteira disso, implantou um sistema de prevenção e gestão de crise e realizou exercícios de simulação para examinar sua capacidade de resposta em situações de emergência. Entretanto, foi pega “de surpresa” com o tamanho desta crise. O que falhou? Bem, ainda não sabemos. Mas está claro que nem todos os riscos são mapeados adequadamente. E que, como nas tragédias de avião, provavelmente este acidente decorre de uma série de fatores, não de um fato isolado.
Não negue o que pode ser questionado ou desmentido
Na tentativa de acalmar a população, a Samarco rapidamente afirmou que os rejeitos não causavam riscos para as pessoas. Se em um primeiro momento esta afirmação foi um alívio para a sociedade, em pouco tempo se transformou em um “transtorno” para a empresa. A Samarco teve que explicar diversas vezes que a composição dos seus rejeitos era de minério de ferro, areia e água. Mas a versão da ONU de que os rejeitos continham metais pesados tóxicos foi a que prevaleceu para a maioria das pessoas, leigas em assuntos de mineração, dada a mortandade das espécies do Rio Doce.
Este fato nos ensina a ter ainda mais cautela na divulgação de informações em situações de emergência. Os rejeitos podem até ser inócuos, mas o volume de água revolveu o solo contaminado. Além disso, a negativa da Samarco de responsabilidade sobre o rompimento da barragem, associando-o a um tremor de terra, foi uma estratégia questionada por várias pessoas nos primeiros dias. Não estamos aqui afirmando que não houve tremor. Vários fatores devem ter contribuído para o rompimento da barragem. Mas culpar a natureza nem sempre é a melhor solução.
Seja empático com a dor das vítimas e peça desculpas
Um consenso entre vários entrevistados que ouvimos sobre o caso da Samarco é que os pronunciamentos da empresa foram frios e pouco empáticos.Nós entendemos a dificuldade da empresa diante de uma crise envolvendo desaparecidos e também levamos em consideração o estilo de comunicação direto e objetivo que a empresa sempre adotou em suas peças. Mas, nesta situação em específico, faltou uma pitada de surpresa ou de qualquer emoção que pudesse ser identificada e falar ao coração das pessoas, sem exagero.
“Como seria de se esperar, a Samarco incluiu o uso de mídias sociais na sua estratégia, explorando principalmente o Facebook, com um vídeo do presidente falando sobre o acidente. Do ponto de vista da estratégia, perfeito. Mas do ponto de vista de conteúdo e da mensagem, na minha percepção, o vídeo não convence, não sensibiliza, não gera empatia. Em gestão de crise, o uso de mídia social não pode ficar restrito à avaliação de curtidas ou compartilhamentos. Independente do uso da mídia, é fundamental desenhar e transmitir mensagens que, mais do que curtidas ou compartilhadas, sejam capazes de criar uma percepção positiva e, principalmente, gerar empatia. Sem isto, corre-se o risco de cair na banalização, inclusive do porta-voz.”, exemplificou Valdeci Verdelho, consultor em projetos de construção de imagem, credibilidade e reputação e professor de Gestão de Crise no MBA em Gestão da Comunicação Empresarial da Aberje.
Socialwashing, greenwashing ou“qualquer washing” nem pensar
As empresas muitas vezes nem percebem. Tampouco fazem de propósito. Mas muitas caem na tentação de divulgar dados de investimentos sociais ou ambientais sem contextualização, o que acaba por configurar greenwashing e socialwashing. Em uma tentativa de prestar contas para a população, a Samarco veiculou uma campanha intitulada “Fazer o que deve ser feito”, que apareceu até em horário nobre da TV, no comercial do Fantástico, no domingo dia 14/02/16.
Mais uma vez, a ideia de prestar contas tecnicamente é correta, mas a forma como foi executada deixa dúvidas. A empresa não assume diretamente a responsabilidade pelo acidente. Mas, mais grave é o fato de os vídeos tentarem mostrar o “quão maravilhosa é a Samarco”, quando a mensagem mais apropriada deveria ser algo como “o melhor seria se aquelas pessoas não tivessem passado por tamanho transtorno, mas já que passaram, a empresa está fazendo todo o possível para contornar os danos”. O ápice é o vídeo da Jozelita, técnica de processos laboratoriais, que “se descobriu capaz de prestar ajuda humanitária” e faz um relato completamente autoreferente.
Prestar contas é necessário e de suma importância. Mas é preciso muito cuidado nas mensagens, assim como é preciso fazer uma análise profunda dos discursos antes de veiculá-los para não comprometer ainda mais a situação. Ninguém vai agradar a todos, mas não é de bom tom deixar a sensação de felicidade por estar ajudando alguém que não precisaria de ajuda caso a crise em questão não tivesse ocorrido.
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* Tatiana Maia Lins é consultora em Comunicação com foco em Reputação Corporativa, diretora da Makemake Comunicação e editora da Revista da Reputação.