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Racismo, reputação das marcas e o caso Vini Jr

Racismo, redes sociais e reputação das marcas: o que o episódio de Vini Junior nos ensina sobre gerenciamento de crises nos tempos atuais?

Por Germana Costa Moura* e Patrícia Albuquerque** para a edição 14 da Revista da Reputação, Junho de 2023.

Em um mundo onde reputação, diálogo e transparência são mais importantes do que nunca, muitas marcas ainda estão levando gols de 7 a 1 na gestão de suas crises expostas nas redes sociais. São inúmeros casos que poderíamos lembrar, mas o mais recente episódio dos ataques racistas contra Vinícius Junior, craque do Real Madrid, pode ser emblemático do ponto de vista do posicionamento das marcas no combate à intolerância.

As redes sociais estão lotadas de manifestações em nível mundial para que os patrocinadores da LaLiga (o torneio espanhol), se posicionem. Alguns patrocinadores enviaram notas de pesar, mas não adianta só manifestar solidariedade e repúdio. Taí uma chance de ouro para as marcas irem além, se posicionarem, e quem sabe até repensarem ações de patrocínio diante de flagrantes atos racistas ou incluírem condicionantes de corte de verba ligados a escândalos e intolerância.

Aqui no Brasil, oportunidades de marcar posição e evitar crises são perdidas por erros de gestão e a falta de sensibilidade. Muitos ainda não entenderam que hoje basta uma pessoa ofendida, um celular na mão e seu poder de indignação para deflagrar uma crise. O consumidor/cidadão tem voz, está mais capacitado, é socialmente consciente e, claro, joga tudo na internet sem deixar dúvidas sobre as suas queixas e pontos de vista. As marcas estão altamente expostas nas mídias sociais e precisam responder às demandas em escalada crescente de tensão, de forma ágil, eficiente e respeitosa.

As vítimas do racismo – felizmente – não se calam mais. Seja uma anônima professora expulsa de um voo no Brasil seja o melhor jogador do mundo, nosso craque brasileiro Vini Junior. Rara a atitude do técnico Carlo Ancelotti que se recusou a falar de qualquer outro assunto do jogo que não fosse a agressão sofrida pelo seu melhor atacante. E as marcas, qual seu papel nessas crises?

Quantas vezes você viu e ouviu ofensas racistas nas redes sociais? O overposting é um fenômeno que não vai retroceder. Os algoritmos ainda fazem questão de repetir a mesma história em perfis diferentes com novas camadas de comentários. Se no primeiro impacto alguém pode até ficar indiferente, basta ver a mesma história uma segunda ou terceira vez para se contaminar com a opinião crescente nas redes. Foi assim que vimos over and over a professora negra expulsa de um voo de Salvador, a cliente de calcinha e sutiã em protesto por ter sido perseguida em um supermercado, e os flagrantes de trabalho análogo a escravidão em vinícolas. Uma crise sobre a outra, gerando mais indignação, processos na Justiça e debates acalorados na internet em escalada crescente.

Os episódios nos fizeram relembrar alguns mantras da reputação e gestão de crise que, por incrível que pareçam, ainda estão sendo esquecidos na hora H. Não se tolera mais comunicados vazios. Por isso fale, escute, mostre, prove, converse, dialogue, se coloque no lugar da vítima. E se pergunte: será que estamos fazendo o suficiente para evitar ou minimizar as crises?

Alguns lembretes nesse tipo de condução de crise
Reconheça o problema. Falar sobre o problema, como fez o técnico do Real Madri, ou pedir desculpas quando uma empresa erra de forma inequívoca é um fator necessário. Com todas as restrições das áreas jurídicas, um pedido de desculpas é algo raramente visto nas respostas corporativas que lemos por aí. Isso podia ser aceitável nos anos 90 e 2000, mas em 2023 as respostas precisam ser mais claras. Lembre-se que a opinião pública já está mobilizada e que as mídias sociais agem como catalisadores de sentimentos já existentes de bolhas.

Preste contas. Identifique o que a empresa está fazendo para corrigir a situação. E, se possível, como a empresa medirá o progresso em relação às ações identificadas. As empresas usam sempre o recurso de “estamos apurando” e “repudiamos veementemente”. Está na hora de entender melhor as ações, prová-las, listá-las, chamar a sociedade civil para debatê-las. Ou assumir um lado e se colocar contra a intolerância de forma mais explícita.

Senso de urgência. Nas crises recentes vemos um nível maior de tensão e a necessidade de as respostas mais humanas, empáticas e assertivas. Vale por mais energia nas respostas e nas medidas adotadas. O nível de paciência das vítimas e da opinião pública é cada dia mais baixo.
Monitorar sempre. Um monitoramento robusto com social listening ou ferramentas de pesquisa de reputação, somadas à capacidade de agir rapidamente e processos bem estabelecidos de crise, nos ajudam a proteger mais efetivamente a reputação.

Não deixe o público interno esquecido. Não existe mais fronteira entre a comunicação interna e externa. Nunca existiu, sempre batemos nessa tecla, mas hoje temos que dizer o óbvio: comunique para dentro imediatamente. O colaborador é primeiro embaixador da marca, a levar o posicionamento de dentro para fora.

O velho normal não cabe mais. Antes de aprovar uma narrativa, um comunicado, pense dez vezes: qual a chance de essa explicação estar fora das exigências de transparência, de diálogo e postura cidadã do nosso tempo?

Escute os públicos. Construímos confiança e reputação na medida que conseguimos ler os sinais, entender as demandas que são endereçadas às marcas. Pressupõe escuta e sensibilidade. Como anda essa capacidade de escuta por aí? No recente Web Summit, no Rio, uma das palestras, “How to make products that people love”, defendia que clientes e suas vozes sempre serão mais importantes do que os dados.

Não tem caminho fácil. Afinal, reputação se constrói todo dia. Esse cuidado não nasceu com as redes sociais, mas sua necessidade cresceu muito com os novos parâmetros da era digital. Mas há dois lados. Por um lado, as redes sociais aceleram e elevam o número de possíveis vetores quase ao infinito; por outro, o digital nos coloca nas mãos ferramentas para monitoramento, prevenção e comunicação como nunca antes. Cabe a nós fazer o melhor uso, aprender com os eventos e evitar os próximos.

* Germana Costa Moura é sócia diretora da Approach Comunicação.
** Patrícia Albuquerque é Diretora de Digital e Conteúdo da Approach Comunicação.