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Marca e Reputação: ressignificando conceitos

Segundo um ditado popular, é sempre bom olhar o passado para entender como devemos caminhar no futuro. Este artigo vem nessa direção fazendo um paralelo da minha vida profissional e das mudanças que vi pela estrada da vida e o seu impacto no aprendizado de gestão de marcas e gestão da reputação.

Trabalho há anos com esses temas, tão fascinantes e tão atuais, principalmente neste momento de ressignificação de valores por conta do impacto do coronavírus (COVID 19). Para ser mais preciso, trabalho com branding desde a ida a Landor Design em São Francisco na década de 90 para participar do projeto de rebranding da (nossa) Varig. Essa oportunidade me fez conhecer na época um pouco sobre os conceitos do projeto do Bradesco, que data da mesma época, feito pela mesma agência.

Infelizmente, a Varig não existe mais, entretanto ficaram os fundamentos do desenvolvimento de um projeto de marca bem estruturado. Desde então, participei de vários projetos com startups, mineradoras, empresas de energia e por aí vai. Vivi a febre das empresas “pontocom” vendo elas florescerem e sumirem em uma velocidade estonteante. O mesmo tem acontecido com o mundo dos aplicativos. Apesar de épocas tão diferentes, sejam as empresas “do mundo real”, “empresas pontocom” ou “apps” elas enfrentam dificuldades de posicionamento, na sua maioria por alguns pontos básicos, listados a seguir:

* Desalinhamento entre negócios, marca e processo de comunicação. A pressa dos executivos em alguns casos faz com que o processo de comunicação seja feito imediatamente após a conclusão do plano / estratégia de negócios sem investir tempo e foco na construção da marca.

* Falta de propósito, valores, orientação de futuro e tudo mais relacionado ao tema que, no final das contas. fala sobre a essência da marca, suas crenças e atitudes.

* A promessa de marca (seja base tecnológica, experiência, relacionamento, preço, etc) não se sustenta ao longo do tempo .

* A comunicação da marca feita de forma a “impactar o mercado” promete mais do que os atributos da marca podem entregar levando a um descompasso entre expectativa e realidade.

Fui apresentado aos estudos acadêmicos de reputação por volta de 2008. Para mim, com o olhar de marketing, era importante entender como a promessa de marca, se bem cumprida, poderia ajudar na formação de um capital reputacional sólido e sustentável, criando vantagem competitiva para as organizações. Foram lidos todos os artigos acadêmicos nacionais e internacionais sobre o tema. A maioria deles são datados da época de 90 ou início dos anos 2000. Tal imensidão de leitura dos dois temas me levou a ter a oportunidade de ter escrito um livro sobre o tema que hoje embasa o estudo de jovens executivos em todo o Brasil.

Entretanto alguns conceitos continuam sendo apresentados da mesma forma como foram pensados anos e anos atrás. Alguns precisam ser ressignificados, pois na época em que foram concebidos se dizia “que a reputação é um processo de formação de longo prazo”. Perfeita contraposição ao conceito de imagem que é centrada no curto prazo. Porém, os tempos mudaram e a sociedade hiperconectada acelerou os fatos.

Refletindo: o que mudou de lá para cá?

* O surgimento das mídias sociais. Desnecessário dizer seu papel e a relevância no contexto atual e seu impacto na disseminação das informações.

* As relações, sejam pessoais ou entre empresas ficaram mais instantâneas. Tudo é rápido, líquido e de efeito imediato.

* Os stakeholders ganharam voz, relevância e amplitude das suas demandas, reduzindo o espaço de comunicação das marcas. As marcas falam e ao mesmo tempo seus stakeholders discutem as impressões sobre a empresa.

* A comunicação das organizações passou a disputar atenção com a produção de conteúdo da sociedade. Não adianta, colocar superlativos na comunicação do seu produto e/ou serviço se ao mesmo tempo seus consumidores estão expressando profunda insatisfação nas redes sociais.

* O impacto da convergência das mídias vem desafiando ainda mais as organizações. Resumindo tudo ao mesmo tempo e de todas as formas, agora. As crises ganharam maior visibilidade e ficaram mais difíceis de gerir dada a sua imprevisibilidade.

Qual o impacto de todas essas mudanças? Dado o alcance que a tecnologia aliada às mídias sociais trouxeram, temos que repensar os fatos e entender que a formação da percepção das marcas e sua consequente reputação, no contexto atual acontece de forma muito mais rápida. Nos “curto e médio prazos” e não mais no “longo prazo”.

Como já foi dito, neste ambiente midiático e extremamente “líquido”, no longo prazo todos nós estaremos mortos. Não precisamos mais, para o bem ou para o mal, esperar um espaçamento demasiado longo de tempo para avaliar possíveis impactos. Por exemplo, um derramamento de óleo em uma praia, um boato, uma delação, uma fake news ou uma denúncia de assédio, entre outras causas, se não esclarecidas de forma satisfatória podem fazer com que em uma questão de poucos meses ou semanas a empresa já sofra impactos irremediáveis no vínculo de confiança conquistado com seus públicos.

O não entendimento dessa mudança temporal de longo para o médio prazo tem sido fonte de erros de várias organizações. Por continuarem entendendo que reputação é uma questão de longo prazo, vários gestores entendem que um mecanismo de avaliação anual ou até mesmo bianual é mais do que suficiente para monitorar seu principal ativo organizacional. Ledo engano.

Passou a ser vital que as empresas tenham um tracking contínuo da percepção dos seus públicos estratégicos permitindo através de uma plataforma de dados, a qualquer momento todos os cruzamentos e análises possíveis com a mesma agilidade que pedimos uma pizza, escolhemos um streaming ou acessamos a nossa conta bancária no celular.

Dentro das organizações nacionais, a área de Marketing tem sido bastante ativa no uso dos analytics como forma de gerenciar sua atuação. Analisam, simulam e testam modelos de comportamento. A área de Comunicação Corporativa, tradicionalmente guardiã da marca e da reputação corporativa precisa atualizar seus conceitos e fazer da tecnologia um aliado à sua atividade, fazendo dos indicadores de gestão uma constante da sua jornada. Provar a cada mês, a cada semestre que as suas ações trouxeram resultados para a organização. Basta olhar os erros do passado e entender como devemos agir daqui para a frente.

* Dario Menezes é professor da FGV e da ESPM, diretor executivo da consultoria GroupCaliber e autor do livro “Gestão da marca e da reputação corporativa”.