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Rio 2016: Qual será o legado de reputação dos Jogos?

As Olimpíadas serão realizadas em um ambiente político, econômico e social totalmente diferente de quando houve a candidatura, imprevisível até para o mais pessimista. A falta de segurança, problema histórico do Rio de Janeiro, pode apagar o nosso fogo nos relatos dos turistas.

Você já parou para pensar o tanto que o Brasil mudou desde quando o Rio de Janeiro foi aceito como sede para os Jogos Olímpicos de 2016? No momento de nossa candidatura, o Brasil estava sendo visto como uma potência internacional. Tínhamos Eike Batista, na época entre as dez maiores riquezas do mundo, apoiando a nossa candidatura e Lula, nosso presidente, era considerado “o cara” por Obama. Naquele momento, fazia sentido imaginar que os Jogos Olímpicos poderiam ser bons para alavancar a imagem do Brasil e solidificar a nossa reputação mundo afora. As Olimpíadas fechariam com chave de ouro um processo de exposição internacional turbinada que teria início com a Copa de 2014.

Pois bem, entre o imaginado e o real tivemos “alguns percalços” no meio do caminho, como de praxe. Entretanto, mesmo o mais pessimista dos brasileiros não seria capaz de prever que os Jogos aconteceriam em um contexto político, econômico e institucional tão desfavorável.

2016 chegou. Ganhamos BRT, VLT e novas vias que vão aliviar o caos do nosso trânsito, mas o metrô não vai ficar pronto. Ainda há rumores de atletas que se recusam a vir para o Rio por causa da qualidade da água da Baía da Guanabara. A Zika apavora. Os hospitais públicos no Rio estão em situação de calamidade. Alunos ocupam as escolas públicas nas grandes cidades reivindicando melhorias nas condições de ensino, mas também de infraestrutura. Continua faltando merenda nas escolas e, de vez em quando, energia elétrica nos hospitais. Escândalos de corrupção pipocam a todo instante. O sentimento de falta de segurança ainda é constante e já tivemos relato de equipe de TV estrangeira que sofreu com roubo de equipamento.

Se não bastasse toda esta novela do nosso cotidiano, o Comitê Olímpico se vê às voltas com um dilema inédito: como acomodar dois presidentes de um país-sede que estão “simultaneamente” no cargo? E brigando para ver qual versão dos fatos ganhará mais espaço na mídia internacional: se é a de que o impeachment é um golpe travestido de legalidade ou se é a salvação para as mazelas do país.

Sendo assim, é natural que o saldo do legado reputacional dos Jogos Olímpicos ainda seja uma dúvida.

Em relação ao legado reputacional de Rio 2016, há duas correntes de pensamento predominantes. A que acredita que a exposição é positiva, sem levar em consideração o tom das matérias. E outra que defende que estamos expondo ao mundo as nossas maiores fragilidades. Nossos entrevistados fizeram um mix interessante destas correntes.

Os mascotes Vinicius e Tom esbanjam simpatia, reforçando o imaginário de que o brasileiro é hospitaleiro.

Reputação é construção constante, não depende apenas do evento

Se tudo correr bem durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos que o Rio sediará em breve, o Brasil reforçará no mundo a imagem que já tem consolidada por causa do carnaval de um país amistoso, alegre, festivo e de belas paisagens. Mas para conseguir construir no imaginário das pessoas outras imagens, seria preciso que o país tivesse aproveitado a oportunidade para mostrar ao mundo uma agenda positiva mais ampla, que englobasse desenvolvimento econômico, possibilidades para atração de negócios, segurança e estabilidade política, entre variados aspectos que poderiam ser citados.

Estas pautas poderão estar em evidência durante os Jogos, em conjunto com a demanda maior por informações sobre as competições. Mas como reputação é uma construção constante, o ideal seria que elas também estivessem presentes na mídia internacional nos períodos antes e após o evento e em um discurso não governamental para angariar maior credibilidade.

Segundo Ana Luisa Almeida, presidente do Reputation Institute no Brasil e professora doutora da PUC-MG, os Jogos Olímpicos têm um potencial de influência imensa na nossa imagem, por ser o evento internacional de maior audiência televisiva. Mas que para aproveitá-lo precisamos superar expectativas. “Seremos avaliados e julgados mundialmente nas Olimpíadas 2016. Seremos admirados e respeitados se entregarmos um evento dentro dos parâmetros e exigências mundiais. Seremos criticados e expostos a um vexame internacional se tivermos problemas. Ser protagonista exige competência, efetividade e carisma. Vamos colocar em evidência nossos valores e o orgulho nacional. Porque não são discursos políticos que asseguram essa entrega”, garante.

Legado olímpico deve ser analisado de modo facetado

O legado que os Jogos Rio 2016 deixarão para o Rio deve ser diferente do legado que deixará para o Brasil, assim como o legado deixado pelos atletas será diferente do legado deixado pelo evento em si, defende o professor doutor da FGV/Ebape Istvan Kasznar. “A Olimpíada tem duas vertentes, olhar o legado pessoal, dos nossos atletas e o legado associado ao megaevento, à infra-estrutura e à logística. No Ministério dos Esportes temos debatido muito o que será o legado. E está havendo uma grande confusão.“

Para o professor e vice-president na IASE – International Association of Sport Economists, estão chamando de legado olímpico o que era necessidade da cidade. O Rio já tinha necessidade de reformular o seu sistema de transporte e aproveitou a desculpa para fazê-lo, por exemplo.

Seguindo o raciocínio de dividir o legado de reputação por áreas, Istvan aponta que o Brasil se sacrificou para criar as megaestruturas do esporte e isso teria gerado um legado de oposição pela insatisfação da população com saúde e educação. “Um legado é a conscientização da população sobre política pública. Independente de quem está no poder”, afirma.

Este legado de conscientização sobre política pública influencia na percepção da população sobre a sua qualidade de vida e trará consequências diretas para a reputação do Brasil e do Rio de Janeiro.

Outro legado apontado pelo professor e que pode contribuir para a nossa boa reputação, desta vez no turismo, será o fato de os Jogos transcorrerem sem grandes problemas e as nossas belezas. “Se não houver ataque na Olimpíada já teremos um legado para o mundo. Se o Brasil não apresentar problemas de segurança nos eventos, nem nos procedimentos de levar e trazer atletas isso será um legado para mostrar que a gente sabe receber e não tem inimigos. Isso aquece o turismo. Por outro lado, os protestos com faixas “welcome to hell” contrapõem as imagens de cartões postais e podem enfraquecer o legado para o turismo”.

A combinação de mar e montanhas da topografia do Rio encanta turistas de todas as partes e será exibida à exaustão durante os Jogos.

Experiência centralizada no Rio difere do que aconteceu na Copa

Se a Copa do Mundo de 2014 (ainda) não foi capaz de melhorar a reputação do Brasil, Dario Menezes, professor de Gestão de Reputação e disciplinas correlatas na FGV, ESPM e Fundação Dom Cabral, aposta que a Olimpíada trará resultados diferentes por ser uma experiência centralizada no Rio, enquanto a Copa foi fragmentada em vários estados, alguns sem nenhuma tradição de futebol.

Além disso, Dario menciona outro fato muito importante e que difere do que aconteceu com a Copa: segundo os organizadores, a Rio 2016 está “on time, on budget”. “A imprensa internacional tem um preconceito sobre o Rio mas se surpreende quando vê que entregamos todas as instalações dentro do prazo e estamos dentro do valor orçado, gastando menos que outras cidades. Temos boas novas por contar”.

Segundo a inglesa Moody’s, uma das três maiores agências de classificação de risco de crédito, ao lado da Standard & Poor’s e da Fitch Ratings, Rio 2016 teria gasto um terço do que foi gasto em Londres 2012. Com base no valor do dólar de 2009, em Londres, as Olimpíadas custaram R$ 14,8 bilhões, enquanto no Rio foram gastos R$ 4,9 bilhões.

Dario também faz um check-list de quais podem ser os impactos dos Jogos para a reputação do Rio. levando em consideração os itens que servem como base para a avaliação de reputação de lugares. Para ele, estamos bem em relação ao que Rio 2016 deixará para a cidade em termos de infraestrutura e revitalização.

A experiência direta dos turistas e de quem assistir às competições tende a ser positiva pelo senso de hospitalidade, mas pode ser afetada negativamente pela percepção de insegurança. O momento político e econômico também pode contribuir negativamente na experiência das pessoas.

Já o aspecto “como o local se comunica” está prejudicado por cortes de verba. “Infelizmente o orçamento está restrito e não sabemos ainda se haverá uma comunicação pré-copa ou pós-copa. A maior parte da comunicação ocorrerá no boca a boca pelas pessoas, em imagens felizes e não tão felizes de suas experiências nas redes sociais”, afirma Dario. (Após a entrevista com ele foi confirmado pela mídia que o Brasil não faria campanhas pré-copa.)

Por fim, ele ressalta que há grande entusiasmo entre todos os organizadores para que os jogos sejam memoráveis e isso tende a impactar positivamente no que as pessoas falarão sobre o evento. Que venham os jogos.

* Tatiana Maia Lins é Consultora em Comunicação com foco em Reputação Corporativa, Diretora da Makemake Comunicação e Editora da Revista da Reputação.

** Imagem de abertura: Clélio Tomaz Fotografia.