Pandemia e Vale do Silício: lições em comum para reputação
Reputação, Vale do Silício e Pandemia: o que esses assuntos têm em comum?
Há alguns meses, compartilhei minha empolgação com a Tatiana Maia Lins sobre o que vivenciei na Missão de Inovação promovida pela StartSe University e que fiz em Palo Alto na Califórnia, e como tudo me fez pensar como a Gestão da Reputação alcançaria novo patamar nos próximos anos. Combinamos que escreveria um artigo para a 10ª edição da Revista da Reputação e no meio do caminho nos deparamos com esse serzinho devastador e também disruptivo, o COVID-19.
Por causa dele, o lema “fique em casa” virou global. Para uma grande parte da população, isso foi possível e uma nova realidade surgiu no simples fato de conciliar trabalho e a vivência com a família no mesmo espaço. Para outras, esse é um momento mais difícil. Muitos não podem simplesmente ficar em casa, caso contrário, não garantirão o que comer no dia. Os desdobramentos dessas questões estão sendo debatidos por diversos especialistas e nas mais variadas plataformas, estamos vivendo uma problemática entre oferta e demanda de empatia, saúde, economia e relações. Mas, esse não será o foco desse artigo. E, sim, será o ponto de partida do mundo pós-pandemia, pois vivenciamos em todas as partes do planeta um grande desafio e uma necessidade de buscar novas soluções.
Estamos vulneráveis e repensando tudo, do simples ao mais complexo. Com essa reflexão, resgatei os aprendizados vivenciados no Vale do Silício onde estive em janeiro de 2020 e descobri uma conexão com a sua origem e como foi construída toda uma mentalidade para inovação no velho oeste americano.
Pandemia e Vale do Silício – lições em comum
Em Palo Alto, local das empresas mais inovadoras e valorosas que conhecemos hoje, na primeira aula com o Felipe Gianetti da StartSe University, ele revelou o que estava por trás da cultura focada em inovação no Vale do Silício: “uma junção de enfretamentos de desafios, dificuldades e foco em solução ágil. Da descoberta do ouro na região de São Francisco à corrida espacial para que o homem chegasse à Lua, esses eventos foram determinantes”.
Nos anos de 1840, ocorreu a corrida do ouro em São Francisco, que atraiu pessoas de milhares de lugares para a costa oeste do continente norte-americano. Muitos se enriqueceram com o ouro, mas muitos não conseguiram alcançar seu sonho e precisaram criar uma nova forma e foram obrigados a sobreviver (será que estamos vivendo algo semelhante?). Uma vez chegando nessa região inóspita, não existia a possibilidade de retorno. “Assim, se não desse certo a busca pelo ouro, a pessoa era obrigada a empreender e arriscar”, afirma Rodrigo Espinosa, vice-presidente da agência de marketing George P. Johnson (GPJ) e ex-professor da UC Berkeley. Nessa época, por exemplo, foi criada a empresa Levi´s com a sua primeira calça jeans, resistente e útil para atender os mineiros da região. E muitas outras.
Novamente, durante a Guerra Fria, quando a Rússia lançou a Sputnik 1 com sucesso, passando na frente dos EUA na corrida espacial, a região precisou enfrentar o desafio de ter os melhores profissionais para conseguir colocar a primeira pessoa na Lua. Mais uma situação que influenciou a região a ter uma mentalidade focada em soluções, assumir risco e alcançar resultados.
A inovação, assimilada na Missão de Inovação da StartSe University e que me levou a Palo Alto, está pautada justamente na adversidade, na diversidade e na busca de soluções para novas necessidades. E acredito fortemente que a pandemia é o ponto da virada para novos tempos. Qualquer crise, por si, é disruptiva. Logo, já iniciamos a construir novos cenários, novas formas de fazer e descobrimos novas necessidades. Vivenciamos hoje, uma aceleração incontestável de mudanças nas relações profissionais, pessoais e na forma que o poder público, a sociedade e a iniciativa privada devem se posicionar daqui para frente.
Crise e Inovação
Um passo de cada vez, já começamos a mudar a nossa perspectiva. O que nos trouxe até aqui não nos levará para frente. No momento, estamos no modo emergência e precisaremos nos preparar e gerenciar a continuidade e retomada das cidades e dos negócios.
No modo de emergência, buscamos respostas urgentes para a crise. O próximo passo será de recuperação, com foco nas áreas críticas e nas ações para viabilizar essa retomada. Da mesma forma que surgiram novas realidades e a inovação se potencializa, como exemplificado na realidade do Vale do Sílicio. Sim, ele surgiu de uma potencial crise desde a corrida do ouro passando pelo desafio do homem chegar à Lua até a criação das, hoje, unicórnios e gigantes da tecnologia.
Pós-crise, é importante mudarmos o mindset, como transformar oportunidades simples em novos negócios e modelos para essa sociedade. Precisamos desenhar e projetar esse futuro com suas novas tendências e tecnologias. E a última fase será a de perseguir a sustentação, para planejar a volta à uma nova normalidade em um novo contexto de mercado. Todo esse portfólio de empatia, solidariedade, dificuldades e desejo de algo melhor deverá repercutir nesses novos modelos das relações pessoais e profissionais.
Inovação e Reputação – novos valores estão surgindo na sociedade?
O professor Vivek Wadhwa, na universidade Carnegie Mellon, sobre tecnologias exponenciais, convergência tecnológica e inovação, afirma que “Uma população de mente aberta e diversificada, que compartilha informações prontamente, incentiva a experimentação, aceita falhas e dispensa a formalidade e a hierarquia, faz do Vale do Silício um centro de inovação global.” E hoje? Não somos todos Vale do Silício? Arrisco dizer que em termos de experiência sim.
Tudo isso, está me levando para uma reflexão sobre como precisamos mudar a nossa forma de comunicar e nos relacionar. Antes e ainda hoje, presenciamos uma diversidade voltada para muito conteúdo e quantidade, seja no jornalismo, nas redes sociais e seus influenciadores ou na rotina sobrecarregada de atividades e ansiedade. Agora, estamos passando por uma transição que nos exige uma maior seletividade na diversidade, ou seja, uma escuta mais aberta e ativa; melhor entendimento do outro e mais empatia e principalmente, uma necessidade de respostas de como essa informação contribui e melhora a realidade. Educa. Conecta. Compartilha. Faz sentido.
Se “Inovar” é diferente de “encher” de coisas, descomplicar é uma das melhores formas de inovar. “Comunicar” significa tornar comum em latim. As marcas estão se unindo para soluções comuns. Vimos os grandes bancos assinando campanhas publicitárias juntos. Se antes as marcas competiam entre si, agora elas demonstram união para o mesmo propósito. Os conceitos de geração de valor compartilhado e o lucro admirável se tornarão fortes na construção da reputação dessas marcas. Essa será a nova realidade, como afirma Tatiana Maia Lins no artigo “Reputação, Coronavírus e pós-crise: o que mudou e vai mudar” e eu concordo. E consequentemente, a forma de comunicar e fazer gestão de reputação mudam significativamente.
Ouso dizer que tudo isso definirá uma nova essência do ser humano: com mais integridade, transparência, diálogo, solidariedade e valor agregado. Novos valores e princípios definirão suas escolhas pessoais e afetarão definitivamente como uma marca será percebida. São novas bases do que realmente será valor para uma reputação forte de uma empresa, de um político ou de um produto. As escolhas já mudaram e se consolidarão nos próximos tempos. Vamos observar ou começar a reinventar a gestão de reputação das empresas?
Novo papel dos líderes de comunicação e reputação
Nesse contexto, acredito que veremos uma evolução rápida das posições de Chief Communication Officer (CCO) ou diretor de Comunicação, que amplifica a estratégia de comunicação integrada para um novo papel: o Chief Reputation Officer (CRO) ou diretor de reputação e comunicação corporativa. Ou seja, esse profissional obrigatoriamente assume uma posição mais estratégica, ligado diretamente ao presidente da empresa ou ao Conselho de Administração, avançando nas esferas de gestão de stakeholders e reputação, e ajudando a empresa a navegar pelas tendências empresariais, econômicas, culturais e sociais.
Essa evolução já estava crescente com a nova dinâmica dos canais de comunicação, uma nova cultura imposta pelas mídias digitais e pelas muitas vozes que os stakeholders passaram a ter e a influenciar os negócios e o posicionamento das marcas. E se potencializa nesse cenário disruptivo com a pandemia do COVID-19, os novos movimentos e posicionamentos que as empresas e líderes têm tomado.
Não se pode mais controlar a mensagem, agora, todos exercem uma enorme influência sobre a reputação de uma marca. Os líderes de comunicação e reputação precisam assumir responsabilidades adicionais que lhes permitem conquistar a lealdade à marca e antecipar e mitigar os riscos reputacionais.
E quais são essas novas responsabilidades? Além das atribuições já conhecidas de comunicações executivas, comunicação interna, relações com a mídia e investidores, gerenciamento de comunicação em tempos de crises, mídias sociais e marketing de conteúdo gerenciamento de marcas, patrocínios e eventos e, é claro, comunicação institucional, a lista cresce. É fundamental que o papel seja mais estratégico: não apenas fornecendo à liderança aconselhamento reativo durante situações extremas, como crises e escândalos de relações públicas, mas também exigirá uma responsabilidade mais proativa. Para isso, o escopo amplia e passa a ser responsável também por: criação e alinhamento de mensagens; gestão e governança da reputação; responsabilidade social corporativa / ESG; liderança de propósito, visão, valores e cultura; liderança de pensamento; consultoria e planejamento estratégico; análise e operacionalização de dados com foco na inteligência artificial (AI); satisfação do cliente e Lifetime Customer Value (LCV). Ufa!
Até hoje, sabemos que as métricas de relações públicas e das comunicações são tradicionalmente retrospectivas, como menções da mídia, relatórios ou monitoramento do que está acontecendo. Mas o radar precisa ser outro, os estudos da empresa The RepTrak Company, conhecida até 2019 como Reputation Institute, destaca que “um aumento de um ponto na pontuação de reputação gera um aumento de 2,6% no valor de mercado. Para uma empresa típica, isso pode se traduzir em US $ 1 bilhão por ponto de reputação. Além disso, uma forte reputação organizacional diferencia sua organização da concorrência, apoia a aquisição e retenção de talentos e aumenta o gerenciamento de crises e a recuperação pós-crise”. As métricas precisam deixar seu papel de “espelho retrovisor” para se tornar também um farol, iluminando o caminho, tudo parte integrante da inteligência da reputação da empresa: monitoramento, medição e gerenciamento da reputação.
As empresas, que estão trabalhando arduamente para tornar o mundo um lugar melhor, são e serão cada vez mais atraentes para um número crescente dos stakeholders. Isso gera negócio. A pandemia do COVID-19 deixa claro que a comunicação é uma função crítica e estratégica que abrange muitos aspectos do sucesso reputacional e financeiro. Quando começamos a analisar os negócios em um mundo pós-pandemia, o papel do CRO e dos consultores sérios em reputação corporativa provavelmente evoluirá ainda mais. Agora é a hora de assumir uma posição mais forte e estratégica nas decisões corporativas.
* Karla de Melo é Chief Reputation Officer (CRO) da Casa da Moeda do Brasil, consultora de Reputação e Sustentabilidade, palestrante e professora de cursos e treinamentos in company.