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Tiago Retori: O poder e o risco da mudança de narrativa sobre um setor

O poder das histórias sempre me encantou. “Gosto de palavras bem empregadas” costuma dizer uma amiga de infância. O que para mim, nunca quis necessariamente dizer corretamente aplicadas, mas que carregam o efeito desejado. Lembro dos bons ‘causos’ das rodas lá de Minas, nesse momento.

Hoje em dia discuto muito com clientes o efeito combinado dos diferentes casos que são contados sobre um setor, empresa ou tema. Gosto muito do exemplo do ‘leite’, que quando cresci era receituário básico para uma vida saudável. Hoje, muitas vezes, é marginalizado no “rol das muitas coisas intoleráveis”. Ciência e factualidade a parte – em dias de fake news cada vez mais a parte – me chama a atenção como as conversas e diálogos sobre um setor acabam por corroborar para uma narrativa prevalecente e influenciar sua reputação.

Um bom exemplo é o que tenho visto no noticiário corporativo sobre o setor de tecnologia. Especialmente nos EUA e Europa houve uma mudança de tom da cobertura sobre o setor de tecnologia. Em menos de uma década as gigantes do Vale do Silício – e alguns unicórnios – passaram de super-heróis à vilões na narrativa do noticiário de negócios internacional. A The Economist, ao avaliar essa transição em How To Tame The Tech Giants, acaba por fazer uma bela análise da importância de mapear percepções emergentes e riscos reputacionais. Dentre outros pontos, o artigo demonstra como que a narrativa prevalecente sobre o setor transitou de a ‘inquestionável contribuição à qualidade de vida’ para o ‘aparentemente demasiado poder’ dessas empresas. Essa mudança de narrativa, na medida que se torna mais saliente vem catalisando maior regulação no atlântico norte.

O Nobel de Economia, Robert Shiller, destacou o poder da narrativa em sua palestra durante o Forum Economico Mundial. A Forbes, reportando sobre essa palestra em “Um Nobel de Economia explica por que ideias viralizam”, traz ótimos insights para gestores de reputação. Dentre estes, a reportagem argumenta, que uma narrativa se espalha como um vírus. Uma estória contagia rapidamente diferentes atores dos mercados e governos, que em última instância a consideram e precificam em suas análises e expectativas. O desafio é que, independente de factual ou não, a narrativa bem contada é eficaz e capaz de moldar o ponto de vista sobre um país, setor ou empresa.

Ao redor de uma organização diferentes atores dialogam sobre diversos issues que, direta ou indiretamente, influenciam sua gestão, operação e atuação institucional. Tratam-se de debates do espectro cultural, da conjuntura econômica, da cadeia operacional do setor, do cenário tecnológico ou ainda das expectativas sociais, ambientais ou trabalhistas, por exemplo. Em determinados momentos alguns issues se tornam salientes e o diálogo sobre eles emerge como um risco ou uma oportunidade para a organização. O principal ponto que distingue o yin e o yang nessas ocasiões é justamente qual é a narrativa prevalecente nesses diálogos. Com o objetivo de acompanhar a evolução desses issues, não de moldar a narrativa, as organizações devem fazer esforço para participar desses diálogos.

O setor de tecnologia por exemplo, embora ainda muito admirado pelo consumidor, tem pouco reconhecimento no que tange sua atuação em aspectos sociais, ambientais, transparência e ética nos negócios, como demonstram pesquisas do Reputation Institute. Soma-se a esse desconhecimento da população, o crescente incremento dos diálogos sobre igualdade de gênero nas empresas, as manobras para evitar tributação dos gigantes do setor, as questões sobre privacidade da informação do usuário, fake news e sua influência em disputas eleitorais, as acusações monopolistas e a reposição de vagas de emprego após suas inovações. Não surpreende que o ativismo de CEOs esteja tão presente no vale do Silício.

O exemplo do ‘techlash’, ou como é chamada essa mudança de narrativa prevalecente sobre o setor de tecnologia na última década, ilustra importância de gestores de comunicação, relacionamento e reputação para as organizações. Ao pautarem as expectativas e ações dos diferentes agentes econômicos, atores políticos e stakeholders de uma organização, os diálogos que tangenciam os ambientes da organização são capazes de influenciar seu modelo de negócios ao estabelecerem essas narrativas. Ao descrever o estado da arte do Chief Communication Officer na perspectiva de recrutadores em um belíssimo artigo de dezembro intitulado de CCOs Under The Microscope, o EACD faz ainda algumas recomendações para o desenvolvimento desse gestor e da função. Destaque para o trecho sobre as maiores expectativas com um mesmo orçamento e estrutura.

Continuo a admirar as palavras bem empregadas, as histórias e os ‘causos’, mas cada vez mais me encanta as interpretações possíveis para os fatos – mesmo na ausência dos mesmos – e os desafios dessa gestão.

* Tiago Retori é Diretor no Reputation Institute no Brasil.