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Treinos de Comunicação precisam ser contínuos e para todos

Líderes que sabem se comunicar são estratégicos para a reputação das empresas. A novidade é que não basta preparar apenas a alta liderança

Por: Mauro Tagliaferri e Viviane Medeiros para a edição 14 da Revista da Reputação, Maio de 2023.

No dia 5 de abril de 2023, o site Brazil Journal trazia o seguinte título: “Assaí cai após CEO falar em vender lojas. Falha de comunicação?”. O artigo se referia à queda no valor das ações da empresa após o CEO cogitar, numa entrevista ao Valor Econômico, vender imóveis para conter o endividamento da organização. Duas semanas antes, outro executivo já havia considerado publicamente realizar uma oferta primária de ações para reduzir a dívida. A empresa precisou se manifestar, negando, mas já era tarde, e houve impacto no preço das ações.

Em “A Comunicação no Comando” (Aberje Editorial), Claudio Cardoso cita os riscos de não envolver a Comunicação nos processos decisórios da empresa, entre eles: fornecer informações inadequadas para públicos estratégicos, dar declarações à imprensa sem preparação e alinhamento anterior e transmitir mensagens ambíguas, sem clareza. Parece ter sido o caso do Assaí. Se tivéssemos um milhão de reais para apostar, jogaríamos todas as fichas no palpite de que as declarações dos executivos não passaram pelo crivo da área de Comunicação da companhia.

O caso ilustra bem uma realidade a que nós, profissionais da Comunicação, estamos habituados, mas que pode escapar às lideranças mais afeiçoadas às ciências exatas: nossa sociedade é construída sobre símbolos e convenções, que nem sempre estão escritas.

Assim, antes de falar, a liderança precisa pensar na percepção que sua fala vai provocar no público. Por exemplo: para a liderança, determinada declaração é positiva, pois significa cuidado com as finanças da empresa. Mas, para o acionista, a mesma declaração é negativa, porque gera a percepção de que a saúde financeira da companhia corre risco. E aqui usamos a palavra “percepção” para enfatizar que, ao nos comunicarmos, estamos lidando com um universo subjetivo.

É, porém, uma subjetividade que, como se viu no caso acima, custa dinheiro. A soma das percepções ao longo do tempo produz a reputação da companhia e de suas lideranças. Hoje, existem métricas de reputação. A consultoria global Interbrand elabora, há mais de 20 anos, um ranking das marcas mais valiosas do Brasil. Na lista de 2022/23, o valor somado das 25 marcas líderes é de R$ 153 bilhões.

Quando um porta-voz passa a calcular o efeito de suas falas, gestos e atitudes – afinal, tudo comunica -, entra num estágio a que podemos chamar de “comunicação consciente”. É saber que determinada mensagem vai provocar o efeito desejado no público-alvo.

Chegar a esse patamar de eficiência requer bastante treino, além de uma boa dose de empatia. A habilidade para falar à imprensa pode ser desenvolvida nos chamados “media training”. As lideranças aprendem como funcionam as redações, o conceito de notícia e o modo de trabalhar e pensar dos jornalistas. Depois, são sabatinadas, até com perguntas incômodas, e têm suas respostas avaliadas.

Nossa experiência como treinadores mostra que os “media trainings” funcionam para preparar porta-vozes para uma determinada entrevista ou para enfrentar uma situação de crise. Mas, com a internet e as redes sociais se somando aos veículos de Comunicação de massa, a complexidade aumentou muito. Basicamente, estamos nos comunicando o tempo todo com todo mundo. E isso também requer treino, com orientação e acompanhamento.

Pense em um esporte. Primeiro, é preciso conhecer os fundamentos, aprender os movimentos corretos e entender as regras. Depois, vem a prática, que será mais ou menos efetiva dependendo do tempo que dedicamos a ela e do treinador que temos ao nosso lado. É este profissional que vai pensar estratégias, corrigir movimentos e provocar novos desafios à medida que evoluímos.

Na Comunicação, o processo é bem parecido. Participar de um “media training” é apenas o começo. A evolução só virá com prática permanente e, de preferência, sob a orientação de um profissional da área. E mais: a ideia de que apenas a alta liderança deve estar num treinamento assim é coisa do passado.

Hoje, as empresas não são as únicas donas do discurso. Não é preciso ser porta-voz oficial para divulgar o que acontece dentro das corporações. Todo mundo é mídia, os canais estão aí, disponíveis para quem quiser publicar o que bem entender. Em outras palavras, na era das mídias sociais todo colaborador se torna “porta-voz”, ainda que não tenha sido legitimado para isso, com potencial de causar danos à reputação se não estiver alerta para os riscos que uma Comunicação inadequada pode oferecer.

Por esta razão, é cada vez mais comum a presença da média liderança nos “media trainings”. Nem sempre são porta-vozes oficiais, dificilmente darão entrevistas a jornalistas, mas precisam conhecer a dinâmica da Comunicação Corporativa para saberem o que fazer ao representarem a companhia diante dos diversos públicos – clientes, fornecedores, autoridades e os colaboradores da equipe sob a sua gestão.

O “media training” é um bom caminho, mas não o único. Por exemplo, é possível fazer um módulo com aulas voltadas exclusivamente ao vídeo. Em tempos de uso massivo das telas para todos os tipos de interação, saber falar para uma câmera é um adicional valioso a todo profissional e requer técnicas e habilidades que nem todo mundo conhece: toda a nossa Comunicação – corpo, voz, discurso – precisa caber num retângulo! E esse é um desafio não apenas para a alta liderança. Todos, de CEOs a estagiários, estão juntos nessa.

Há, portanto, muitos formatos possíveis de treinamentos e mentorias, com ferramentas práticas e conceitos teóricos. E eles contribuem de forma singular com a Comunicação Corporativa e com a evolução do profissional que se dispõe tanto a aprender mais, como a zelar pela reputação – a própria e a da organização.

* Mauro Tagliaferri é jornalista da RedeTV e da Nova Brasil FM, palestrante e treinador de Comunicação para lideranças.

* Viviane Medeiros é jornalista, criadora do programa Mover Persona – Comunicação voltada para a carreira e consultora em media trainings.